— Doutora Jaqueline, o que você achou do que minha mulher disse?
— Olha, eu achei que foi uma boa eu ter sido mãe solteira. (O bom da doutora Jaque é que ela não é daquelas terapeutas lacônicas.)
— Legal, me ajudou bastante. Mas o que eu faço com isso? Eu não quero que minha mulher pense que meu filho, digo, nosso filho, gosta mais de mim do que dela. Isso não tem nada a ver. E muito menos que ela pense que vai morrer antes de mim. Vê se pode? Quem será que anda colocando essas minhocas na cabeça dela?
— Peraí, talvez eu possa te dar uma luz. Deixa eu abrir esse estudo aqui do Wienerschnitzel Institute na Alemanha, acho que pode ter alguma coisa a respeito. (O bom da doutora Jaque é que ela não finge que sabe tudo, ela tem humildade para consultar outras fontes sempre que preciso.)
— O seu filho só deixa você dar comida pra ele, certo?
— Certo.
— E só deixa você dar banho nele, certo?
— Certo.
— E só quer que você leve ele pra passear, certo?
— Uhum.
— Acompanhar ao penico?
— Papai.
— E colocar pra dormir?
— Eu.
— Eu acho que os sintomas estão claros. O cachorro dessa história não é sua mulher, é seu filho. Aqui diz que até os 3 anos e 7 meses de vida algumas crianças se comportam exatamente como cachorros: escolhem apenas um dono, e só deixam que este dono realize todas as atividades básicas de sobrevivência. Lembra daquele filme Marley e Eu? Aquele labrador era presente pra Jennifer Aniston, mas ele escolheu o Owen Wilson como seu dono. Seu melhor amigo, companheiro. Era pra ele que o Marley corria ao ouvir um trovão.
— Mas meu filho não tem medo de trovão…
— O que ele pede quando toma um tombo ou se machuca?
— “Tólo. Tólo papai.”
— Então. Mas, pelo que você já me contou, em termos de brincadeiras, ele se diverte até mais com a mãe do que com o pai.
— É verdade. Pra cada gargalhada que ele dá com o pai, ele dá três com a mãe.
— Então, na verdade ele acha a mãe mais legal. Isso que sua mulher tá falando é exatamente o oposto, tá vendo? O que ele vê no pai é um porto seguro. Vocês têm também uma filha de menos de um ano, não é isso?
— É.
— Você já deixou de colocar ele pra dormir por causa dela?
— Não.
— Já deixou de acudir ele de madrugada porque estava dando de mamar pra ela?
— Não, né.
— Já deixou de dar comida pra ele porque tinha que colocar ela pra dormir?
— Não.
— E já deixou de pular da cama com ele às 6 da manhã porque não conseguia abrir o olho depois de dar de mamar pra irmã dele a noite toda?
— Claro que não.
— E sua mulher, já fez uma dessas coisas?
— Quando, hoje…?
— Tá vendo? Mas pra brincar ele não só aceita o que ela propõe como até a procura.
— É verdade. Eles brincam de polvo maluco, de carrapato faminto, de tamanduá no formigueiro, de super-herói voador, de atirei o pau no gato em ritmo de rock, de diálogo yanomami, e sei lá mais o que que aqueles dois riem tanto.
— E ele não gosta?
— Bom, ele não para de gargalhar e fica pedindo “mais, mais”. E não me parece que ele seja masoquista (se tem algum masoquista na relação deles é a mãe, que deixa ele ficar dando mordida nela até um ponto em que fica a marca dos 14 dentes que ele já tem).
— E ele é carinhoso com a mãe, tirando os momentos de atividades rotineiras?
— Bom, se dar selinho na mamãe através do vidro do box do banheiro não é ser carinhoso, eu não sei mais o que é.
— Então não restam dúvidas, isso é Síndrome de Weimaraner. O filho, até os 3 anos e 7 meses, tem o pai como Sicherheitsreferenz, ou referência de segurança numa tradução literal. A mãe exerce um papel mais lúdico, mais romântico. A mãe é Eros, é Ludus. O pai é Zeus. Mas, depois dessa idade, a criança já é menos bichinho e mais humano, e consegue estabelecer duas relações mais equilibradas com o pai e a mãe. Não é mais um ou o outro, e sim um mais o outro.
— Poxa, que boa notícia. Então é só eu falar pra ela aguentar mais um aninho e pouco e pronto!
— Isso. Fora que com tudo isso de gargalhada que sua mulher dá com seu filho, ela ganha um bônus de longevidade de uns 10-15 anos, pode falar pra ela. Mas, se eu fosse você, eu não contava que também por volta dos 3 anos e meio há 73% de chance de as meninas só quererem o papai pra tudo.
O melhor amigo do homem
por André Tassinari