Desde o início da computação nos anos 1950 e 1960, diversos artistas vêm realizando experimentos com computadores. Foi nessa época que surgiram as primeiras obras de arte computacional pelas mãos de pioneiros como Frieder Nake, Michael Noll e o brasileiro Waldemar Cordeiro.
Recentemente, a arte computacional vem tomando novas formas nas obras de artistas como Casey Reas, Golan Levin, Aaron Koblin e dos brasileiros Jarbas Jácome e Fabrizio Poltronieri, dentre outros. Esses artistas usam o software como material artístico e as linguagens de programação são seu instrumento de trabalho. Enquanto um pintor cria com tela, pincel e tinta, por exemplo, esses artistas produzem arte com software.
A computação e, consequentemente, o software se expandiram, desde seu surgimento, de maneira a permear diversos aspectos das nossas vidas. Até aqueles que não estão incluídos no mundo digital (por diferentes motivos) são influenciados pelo software, mesmo que de maneira indireta, pois ele está presente no funcionamento da sociedade — no governo, na logística da circulação de produtos, nos mercados de ações, no entretenimento, na comunicação e em tantos outros setores. Vivemos no que Lev Manovich chama de Sociedade do Software. Todavia, nossa interação com o software se dá, na maior parte do tempo, nos smartphones e nos computadores por meio de interfaces que escondem o código-fonte. Assim, nos tornamos apertadores de botões dos diversos dispositivos que alguns poucos sabem como programar.
Contudo, diversos pesquisadores têm procurado, desde o início da computação, criar interfaces, ferramentas e linguagens para tornar a programação mais simples e levá-la para além dos limites da engenharia, facilitando o uso e o aprendizado para pessoas de idades e formações diversas, inclusive artistas. Algumas dessas iniciativas são o Max, o Pure Data, o Processing e o Arduino. Na década de 1980, surgiu o Max, muito usado para composição musical e, principalmente, para performances ao vivo. Na década de 1990, foi lançado o Pure Data, uma versão open source do Max. Em 2001, surgiu a linguagem Processing, destinada às artes visuais. Em 2005, foi lançado o Arduino, um microcontrolador projetado para a programação de interação física entre o ambiente e o computador e muito utilizado em instalações artísticas.
Apesar de o software ser inerente a toda arte produzida ou reproduzida digitalmente, ele é comumente esquecido como um material artístico e um fator na estética da obra. Segundo Cramer e Gabriel, isso acontece devido à progressão do uso dos computadores, que passaram de máquinas acessíveis apenas aos programadores a interfaces gráficas onde se camufla o código que está realmente operando o computador.
Há, no entanto, artistas que trabalham diretamente com linguagens de programação, utilizando o código-fonte como material artístico. E as linguagens que surgiram com o objetivo de facilitar a programação nas artes são muito usadas por esses artistas e por estudantes de arte e tecnologia. Esse tipo de artista que não utiliza somente ferramentas prontas, mas que trabalha diretamente no algoritmo da arte computacional, pode ser chamado de artista-programador. Pensar que um artista é capaz de ser também programador pode, por vezes, causar um estranhamento ou soar como um conceito inusitado. Por que a necessidade de denominá-lo artista-programador e não somente artista, colocando ênfase na técnica utilizada? Uma chave para essa questão pode estar nos conceitos de técnica e tecnologia.
A palavra técnica tem sua raiz na palavra grega téchne, que significa técnica, arte ou ofício. Os gregos não faziam distinção entre arte e técnica. Um escultor ou um sapateiro tinham uma téchne. Já a palavra tecnologia surgiu na combinação dos conceitos de téchne e lógos, que significa racionalidade. Pode ser compreendida, então, como a sistematização de um ofício ou de uma técnica. Esse conceito tem relação com a Revolução Industrial e a produção capitalista, quando técnicas começaram a ser aplicadas com o objetivo de gerar resultados em larga escala.
Sabemos, portanto, com base no conceito de téchne, que nem sempre arte e técnica foram tratadas como conceitos apartados. A separação entre elas está muito atrelada ao surgimento da visão romântica do artista no final do século 18. No romantismo, a arte passou a se referir à subjetividade e à vida interior, enquanto que a técnica passou a ser percebida como mecânica e objetiva. Com uma visão de mundo centrada no indivíduo, nas emoções subjetivas, no sonho e na fantasia, o conceito romântico da arte se opunha à racionalidade e à objetividade. Essa dicotomia tem reflexos até hoje. Não é raro o pensamento de que um engenheiro não tem habilidade para a arte ou de que um artista não sabe matemática. De acordo com Cramer, a separação entre o que é técnico e o que é a inteligência humana subjetiva, ou entre o “gênio” e o “engenheiro”, abriu caminho para as controvérsias que ainda persistem sobre a arte e até que ponto ela pode ser formalizada e automatizada. Daí o estranhamento que pode ocorrer em relação ao conceito de artista-programador, esse artista que domina tanto a estética quanto a técnica computacional.
Um exemplo interessante do século 16 para pensar sobre como a criação de arte e o domínio de técnicas que atualmente pertenceriam ao campo das Ciências Exatas podem estar conectados são os perspectógrafos de Albrecht Dürer, máquinas para facilitar a percepção da perspectiva. Dürer começou a estudar pintura artística aos quinze anos e interessado pelos fundamentos teóricos da arte, dedicou-se também a pesquisar ótica e matemática. Após dominar esses conhecimentos, criou os perspectógrafos com o objetivo de facilitar o aprendizado da perspectiva por artesãos e artistas na Alemanha.
Outro artista que pode nos ajudar a compreender esse universo é o poeta brasileiro Erthos Albino de Souza. Erthos era engenheiro da Petrobrás quando os computadores chegaram ao Brasil e logo se especializou em operar as novas máquinas. Parte do movimento da poesia concreta, na década de 1970, editor da revista Código, Erthos foi um poeta experimentador e para isso utilizava o seu instrumento de trabalho: o computador.
Harold Cohen foi outro artista-programador que trabalhou com computação desde a década de 1970. Cohen criou no início da sua carreira o programa AARON, que utiliza princípios de inteligência artificial para pintar. Cohen programou o AARON para desenhar diferentes formas, desde abstrações até formas figurativas, como elementos naturais e humanos. Foi a parceria entre AARON e Cohen, por quatro décadas, que deu origem à obra do artista.
A arte feita em software levanta questões importantes sobre a automatização da criação artística. Esse tipo de produção traz à tona a tensão gerada por essa relação criativa entre homem e máquina. Uma parte do processo o artista domina, mas outra parte a máquina realiza “independentemente”. A automatização do processo artístico acaba despertando questionamentos sobre a validade da obra de arte e também sobre a sua autoria.
Em 2015, o Google lançou o Deep Dream, um software que utiliza redes neurais para gerar imagens a partir de outras imagens e que acabou provocando uma discussão sobre automatização computacional e arte. Alguns artistas utilizaram a nova técnica na sua produção, como é o caso de Alexander Mordvintsev, que expôs seu trabalho na exposição Deep Dream: the art of neural networks, que aconteceu em 2016 em São Francisco. Na medida em que a computação avança na direção da automatização, com machine learning e inteligência artificial, essa discussão tende a ficar mais acirrada. Se o computador produz a arte, quem a criou? Pode o computador se tornar o artista? Pode a criatividade ser automatizada? Ficamos por agora somente com as perguntas. E produzindo arte.