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#27PerspectivasCulturaSociedade

Quem seremos nós?

por Claudia Feitosa Santana

Aos sete anos de idade, lembro de ter tido uma briga muito séria com a freira que me dava aula de religião. Eu havia questionado como ela podia me dizer que Deus existia sem me apresentar provas. Dizia ela que era um dogma e que eu tinha que acreditar, mas isso não era suficiente para mim. Vejo que minha inquietude veio de muito pequena. Como uma eterna estudante, me achava apaixonada pelo conhecimento. Hoje sei que sou apaixonada pela liberdade. Porque é o conhecimento que nos dá a liberdade. Eu me considero agnóstica, cada vez mais, e com certeza minha busca, como pesquisadora e professora, é entender como funcionamos.

A neurociência hoje nos comprova, em pleno século XXI, uma série de conhecimentos que a filosofia já sabia, ou já dizia centenas de anos antes a respeito de como funcionamos. Platão já sabia que nossa percepção não acessava a realidade. Aristóteles já sabia que nossa memória era falível, como impressões na cera, maleáveis. Ambos estavam corretos: não percebemos o mundo como ele é, e nossa memória é formatável e reformatável. Nosso cérebro é plástico e, de alguma maneira, se adapta às coisas, se transforma de acordo com o que fazemos, alterando também o mundo.

Um exemplo de como nosso comportamento vem se transformando é a tecnologia. Tecnologia é uma palavra que pode ser aplicada tanto a uma ferramenta (a roda, por exemplo) como aos óculos de realidade virtual. A escrita é uma tecnologia. Quando ela foi inventada nos vingamos da morte, pois, diferentemente da comunicação oral, passada de geração a geração linearmente, a escrita nos deu a possibilidade de deixar nosso registro no mundo. Toda a nossa produção — nosso conhecimento, nossa cultura — passou a não ser necessariamente transmitida de geração a geração, e, embora possa ser esquecida por muitas gerações, também pode ser reencontrada centenas ou milhares de anos depois.

Quando a escrita surgiu, muitas pessoas se revoltaram dizendo que aquilo não era bom, que íamos deixar a fala, que a oralidade iria se perder — mas não a perdemos. Na verdade, a escrita é como uma variação da fala e envolve circuito neural similar. Usamos a memória em ambas, e nosso cérebro hoje é muito pouco diferente dos cérebros anteriores à escrita. Não acontecem grandes modificações cerebrais quando ocorrem essas mudanças e, biologicamente, nossa essência muda muito pouco — nossos impulsos e desejos sexuais são iguais há 200 mil anos. Quando surgiu, por exemplo, a agenda do celular, as pessoas também começaram a falar que seria péssimo, que atrapalharia nossa memória, que não saberíamos mais os números das pessoas, mas, na verdade, ao gravarmos os números, simplesmente não precisamos usar nossa memória para isso, podendo usá-la para outras coisas.

Assim, a tecnologia não veio para atrapalhar, embora tenhamos uma dificuldade muito grande de aceitar essas mudanças quando elas surgem. Precisamos passar por todos esses processos, agora, com a internet, assim como passamos com a escrita, com o cinema, com a TV, com o celular. Num futuro muito próximo, passaremos com as realidades virtuais e aumentadas. O que influencia nosso comportamento é o ambiente. Quando existe uma adaptação a esse ambiente, agimos de acordo com ele. Precisamos adaptar, saber incorporar beneficamente e, por isso, não é uma bobagem discutir se a realidade virtual irá enfraquecer nosso cérebro ou não, e é a filosofia — de novo — que nos diz isso.

Existe um problema ético muito grande com todas essas invenções, porque elas trazem benefícios enormes, mas também podem causar problemas. Tanto a realidade virtual como a realidade aumentada nos trazem a possibilidade de tratamentos clínicos que são de grande valor e que podem melhorar a vida de muita gente. Transtorno do stress pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são dois tipos de transtornos que podem ser tratados com seu auxílio, diminuindo o sofrimento do paciente. Outro exemplo são os óculos de realidade aumentada que vêm sendo desenvolvidos para auxiliar no tratamento de autismo, a fim de permitir que os pacientes treinem sua sociabilidade. Com a realidade aumentada, é possível se preparar para a situação real. Assim, de alguma forma, o cérebro do paciente pode até mudar.

As realidades aumentadas também podem ser usadas para treinamento de habilidades emocionais, o que, na verdade, todos nós precisamos, dado que nosso cérebro se encontra quase igual ao que era há milhares de anos, quando nos relacionávamos em grupos de 50, 70, no máximo 150 pessoas. Hoje, em ambientes urbanos, nos relacionamos com centenas de pessoas, fora os relacionamentos virtuais.

Junto com todas essas benesses, no entanto, podem existir problemas — que, na verdade, são sempre os mesmos, só mudam de plataforma. Quando vamos a uma festa, podemos invariavelmente encontrar uma pessoa de quem não gostamos e, se não nos controlarmos, podemos ter uma atitude impulsiva ou agressiva. Nas redes sociais — Facebook, Twitter, entre outras — também precisamos ter esse controle. A empatia é mais fácil quando estamos cara a cara, diante da pessoa, e então nos controlamos. Quando estamos separados por uma tela de celular ou de computador, isso fica mais complicado.

Quando o telefone foi inventado, também existiu uma fase de adaptação muito grande por causa da perda de contato visual. Grande parte do nosso feedback é visual, e quando falamos ao telefone, perdemos parte disso, mesmo ainda tendo a voz. Em uma plataforma onde só existe a escrita, perde-se muito mais. É mais difícil sermos mediados pela escrita. É só observar como as pessoas se agridem no ambiente virtual. É uma questão psicológica e fisiológica, e é por isso que hoje se fala muito de treinamento empático, comunicação não violenta, treinamento de habilidades socioemocionais. O cuidado que devemos ter reside na consciência de que não temos o feedback do olhar nem da escuta e, portanto, precisamos nos adaptar, controlar nossos impulsos agressivos, pois esse tipo de comunicação veio para ficar.

Creio que, com o excesso de informação vindo da internet, o maior desafio do nosso tempo é educar nossos filhos. É difícil chegar a um meio-termo: não podemos deixar que eles fiquem no mundo virtual por muito tempo, mas também não podemos proibir que tenham contato com esse mundo. E aí existe um outro problema. A tecnologia é muito mais sedutora, e as crianças podem aprender muito mais com ela do que nas escolas, que estão muito distantes disso tudo. Os métodos educacionais que existem hoje ainda são iguais aos do século XIX. As escolas precisam se adaptar a essa nova realidade e, inclusive, rever todo o sistema educacional, porque ele simplesmente não funciona mais.

Com a internet, pelo menos no jornalismo, deveríamos ser muito menos manipulados ao receber informações do que éramos pela TV, quando existiam poucos canais e éramos controlados muito mais facilmente. Isso é muito mais difícil com a internet, pois o acesso à informação é infinitamente maior, mas ao mesmo tempo é preciso conhecimento para saber como buscar e filtrar esse mundo de informações. No final, sempre caímos na educação.

A nossa cultura evolui no sentido positivo, e muito mais rapidamente que a nossa evolução biológica. Já melhoramos bastante — eu, por exemplo, não gostaria de ter nascido na Idade Média —, mas precisamos tomar cuidado para continuar fazendo essas adaptações com qualidade e consciência. Precisamos, cada vez mais, nos preocupar com o todo, porque a nossa espécie é perigosa: já destruímos muita vida no planeta. Talvez agora seja o momento de perceber — e a internet pode ajudar muito — que precisamos nos preocupar com quem está do nosso lado, e com a sociedade como um todo. É uma busca por tentar entender e respeitar o outro, mesmo que você não compreenda ou não compartilhe do seu pensamento. É, enfim, uma busca pela ética. A internet é muito nova, as redes sociais são muito novas. Talvez estejamos só passando por um movimento de “novidade”, onde muitas coisas aparecem e tomam forma, e precisamos nos adaptar a elas.

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