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Histórico

por Vanessa Agricola

Eu guardei o primeiro correio elegante que recebi de um menino da quarta série. Ele me escreveu: “eu adoro a sua amizade”. Daí para frente, o menino da quinta série só passava lá em casa para trocar fitas de videogame. Eu colocava um trevo de quatro folhas dentro do bolso da minha calça jeans nova e lhe emprestava as melhores fitas. Não tive sorte com trevos de quatro folhas. O menino do Rio Grande do Sul, próximo da lista, namorava a menina mais linda da escola. Pensa numa garota linda. Sabe quanto tempo eles demoraram para terminar? Cinco anos. Quatro anos depois do começo, a namorada dele foi passar o final de semana no Rio, e a gente ficou. Ele me disse que estava solteiro e que sempre gostou muito de mim. Beijei de língua, de orelha, pescoço. Eu e o menino do Rio Grande do Sul quase transamos no sábado. Na segunda-feira, ele passou com a namorada de moto.

Sabe quanto tempo eu demorei para ter o meu primeiro namorado sério?

Ele não está tão a fim de você foi o nosso primeiro filme. Ele me mandou uma mensagem perguntando se três encontros seguidos era muito, eu respondi que a única coisa que era muito era a vontade de ficar com ele. Tomei um banho, coloquei uma calça jeans nova (não tive sorte com calças jeans novas), fui para a casa dele e nunca voltei para casa. A gente assistiu Ele não está tão a fim de você como os namorados novos assistem filmes. Cada vez que a personagem, Gigi, se enganava com um homem, ríamos, como se estivéssemos para sempre livres de não dar certo. Até que, no mês passado, ou retrasado, já nem sei, ele começou a cantar a música da Frozen.

Eu demorei para entender a música da Frozen. Claro que eu já vi o filme umas quinhentas vezes, mas a letra tem todo um significado; de longe, tudo muda, parece ser bem melhor, livre estou, livre estou, etc. Que eu só entendi o dia em que ele começou a cantar “Livre Estou” na cozinha. Enquanto eu estava na sala cantando a música do Maná. A nossa música do Maná. A música do Maná que ele escolheu para ser minha. Foi só aí que eu me dei conta. Ele na cozinha, “livre estou, livre estou”; eu na sala, “con un cachito de corazón, con un cachito de corazón”.

Às vezes, a gente não tem escolha. Tem dias em que eu coloco a música do Maná no carro e pego a Marginal. Preciso instalar um insulfilm; não sei por que só consigo chorar no carro. Coloco Marília Mendonça, Vanessa da Mata. Essa semana peguei a Ayrton Senna escutando Cartola e Caetano. Achei melhor descer a serra, curvas estreitas de Frozen, silêncio, gelo do meu primeiro namorado sério. Desliguei o ar-condicionado, abri todos os vidros. A gente gostava tanto de viajar de carro. Cheguei na Rio-Santos com “Meu Coração Vagabundo”. Quero guardar o meu primeiro namorado sério em mim. Fui, fui, até Paraty. No trevo de Paraty, dei a volta para São Paulo. Fim.