Pride NYC, Foto de Alex Korolkov

Minha pesquisa em artes se dá entre festas drag, escolas de samba e arte contemporânea. Sou um corpo que vive em constante trânsito entre a Amazônia e o Sudeste, cruzando referências globais e locais para refletir sobre a identidade brasileira e o cenário político contemporâneo. Sou bixa, preta e ativista pelos direitos da população LGBTQIA+, uma das primeiras artistas drag-themônia coroada na festa Noite Suja, na cidade de Belém, em 2014. Atualmente, trabalhando na direção e criação do documentário Themônias, para o edital da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles. A produção conta um pouco das ações sociais e artísticas desse coletivo, que há quase oito anos vem transgredindo os conceitos artísticos sobre gênero, sexualidade, comportamento e arte drag na Amazônia.

Sou um(a) corpo(a) alienígena às normas comportamentais do Sudeste, da branquitude acadêmica e dos processos de embranquecimento. Já atravessei muitas fases até me afirmar politicamente como bixa preta. Entendo a importância de ter iniciado minha carreira artística nas escolas de samba de Belém, de não negar as referências visuais, cores, performatividades e sonoridades que aprendi com as deusas do samba e do axé. Há alguns anos, venho pensando na ideia de festa como potência estética, como lugar de encontro e afirmação política. Em 2022, completo nove anos ativos e ininterruptos no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, atuando desde 2018 como destaque em carros alegóricos. Atualmente, desfilo pela escola de samba Grande Rio e busco em referências como Piná e Jorge Lafond uma investigação sobre a memória de corpos(as) pretas e performáticas em carros alegóricos.

O meio acadêmico busca sempre se auto referenciar tendo ainda o homem branco como protagonista. A estrutura museal também é uma herança do colonialismo, o cubo branco exalta o clássico europeu, a arte conceitual e o minimalismo. Existe ainda hoje uma tentativa de separar arte “erudita” e arte “popular”, reforçando aspectos do racismo estrutural. As instituições impõem determinados cânones em detrimento de outros e tentam formalizar, inclusive operando em nosso próprio comportamento social enquanto artistas. Sendo do campo da performance, eu quero justamente o inverso: pensando um hibridismo das linguagens, reunindo imagens que cruzam a moda com a dança contemporânea, a África e o Brasil, meu corpo se expande entre paisagens, estampas, figurinos, alegorias e saturações cromáticas. O excesso se torna uma afirmação consciente, a estética brega paraense é uma crítica direta às drag queens que querem construir uma imagem de supermodelos magras, caras e padronizadas. A ironia como recurso constante para não cair nos clichês estereotipados que tentam esvaziar e reduzir a produção artística afro-brasileira e amazônica. 

As referências da cena drag e club kid, estranhas à cena formal da performance art, provocam desconfortos, ganham formas infinitas, transgridem a própria percepção do corpo humano para um lugar da ficção; expande-se pelo tridimensional trazendo ideias sensoriais sobre cor, colagem e cotidiano. Em uma sociedade cristã de sexualidade reprimida, binária e cisgênera, acredito que minha obra vem transicionando as próprias percepções de humanidade na mesma medida que minha percepção de gênero vai se tornando cada vez mais fluida e não-binária. Desejo que o corpo colonial desapareça e dê lugar a outras formas ainda estranhas e não identificadas, donas de seus desejos, suas lutas e suas subjetividades.

Alice e o chá através do espelho (2014) | Paulo Evander Castro
Neon (2020) | Shai Andrade
Sereia (2019) | Allyster Fagundes
Foto de Caio Lirio