Cultura

A redescoberta do lendário Expresso do Oriente

Quem imaginaria que as vitrolas voltariam a cantar alto com o imponente ressurgimento dos LPs? Quem poderia, então, imaginar que as livrarias megastores perderiam quase todo o seu mega espaço e, após de anos de preterimento, livrarias de bairro veriam mais uma vez a luz do sol? Em movimentos cíclicos, muitas vezes contra intuitivos, a modernidade tecnológica pode agir de maneira curiosa. O fenômeno, talvez, se dê pelo fato de estarmos diante de trocas de marcha rápidas e categóricas, já que elas despertam, naturalmente — e, ao mesmo tempo, paradoxalmente —, um sentimento fortíssimo de nostalgia. Não se negam os avanços, mas também não se refreiam as comichões que nos fazem querer resgatar épocas em que os reinados eram mais duradouros e os pés pareciam se fincar em solos mais estáveis. 

Falando em marchas e frenagens, sabe quem também está voltando com todo o esplendor do seu apogeu? O Expresso do Oriente.

Graças a novos investimentos em cima de linhas ferroviárias de alta velocidade, algo que resultou em mais conexões e serviços aprimorados, nos últimos anos, para surpresa de alguns, os trens tornaram-se o transporte de escolha de um número crescente de viajantes, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Entre os projetos que surgiram para atender a demanda, temos o glorioso relançamento do Expresso do Oriente — não como a linha em atividade Venice-Simplon-Orient-Express, que o homenageia, mas como, de fato, o original. O trem que mudou para sempre as viagens de luxo e virou figura carimbada na cultura pop está sendo ressuscitado pela empresa Accor.

Fora de operação desde 1977, depois de décadas o ícone ferroviário se prepara para reviver suas viagens opulentas, embora ainda sem confirmar itinerários. O trem reformado, como tantas outras manifestações oriundas da nostalgia que se transforma em oportunidade mercadológica, não medirá esforços para misturar épocas, fazendo com que o clima de mais de 100 anos atrás encontre os confortos contemporâneos. Fazendo jus à sua própria mitologia, os 17 vagões, que costumavam formar o que era conhecido como Nostalgie-Istanbul Orient-Express, tiveram uma redescoberta digna de cinema.

Arthur Mettetal, historiador com foco em história econômica e patrimônio industrial, em 2015 começou uma busca para inventariar o que restava do Expresso do Oriente para a SNCF, serviço nacional de trens da França. Durante sua pesquisa, encontrou um vídeo de um trem que se assemelhava ao Nostalgie-Istambul postado anonimamente no YouTube. Depois de analisá-lo minuciosamente à procura de pistas sobre onde afinal ele poderia estar, utilizando-se de uma combinação de Google Maps e outros recursos de 3D, localizou-o na fronteira entre a Bielorrússia e a Polônia.

Mettetal, então, viajou para Varsóvia, com a esperança de encontrar os lendários vagões de uma vez por todas. No fim de sua jornada, que contou também com a presença do vice-presidente do Expresso do Oriente, Guillaume de Saint Lager, descobriu que os vagões, parados naquele ponto ermo há cerca de 10 anos, estavam surpreendentemente bem preservados. Alguns deles, inclusive, ainda tinham os emblemáticos painéis de vidro Lalique. Após dois anos de negociação, o trem acabou sendo escoltado de volta à França.

Para sua respeitosa restauração, Saint Lager e equipe entraram em contato com o arquiteto Maxime D’Angeac, que já disse entender que se trata de um trem além do tempo e da moda. A partir de 2024 — não coincidentemente em tempo para estar funcionando no período dos jogos olímpicos de 2024, cuja sede será Paris —, o Expresso do Oriente estará mais uma vez em atividade.

É uma figura mítica que volta para conduzir viagens necessárias, atravessando barreiras temporais e caminhando por trilhos que contribuem para as definições de nós enquanto produtores de cultura, não somente produtores de tecnologia. 

Vamos a todo vapor.