A Cosmogonia dos Sapos: uma imagem que perpassa culturas
Quando o Fogo está em posse dos Urubus e a Natureza sofre consequências drásticas, como a forte cisão entre seres vivos, o Sapo é quem devolve o brasa ao seu devido lugar. Eis o mito d’O Grande Dia dos Guaranis-mbyá. Mas, voltando o olhar ao herói dessa mitologia, fica a pergunta: como pode o Sapo crepitar tantas interpretações?
Na Idade Média, sabe-se que ele era relacionado a manifestações do mal e bruxaria. E engana-se quem pensa que essa visão é exclusividade da Europa Medieval. Lembremos do popular cântico brasileiro que versa sobre o bom e velho Sapo Cururu. Ao que tudo indica, esse Sapo não lava o pé, e não o faz porque não quer (o que, em outros casos, seria um vislumbre de empoderamento). Se ele está agindo conforme a própria vontade, por que, então, cair na interpretação do “mas que chulé”? Se o anfíbio tivesse seu merecido lugar de fala, ele decerto dispararia textões contra os haters do seu pé, coaxando “meu pé, minhas regras”.
E quais outras visões de mundo o Sapo faz arder?
A Princesa e o Sapo
A Princesa e o Sapo
O conto The frog prince (1812), dos Irmãos Grimm, relata aquele bê-a-bá já tão ressoado: bruxa má transforma um príncipe em Sapo, ele perereca até o castelo da princesa e ela, hesitante, deixa-o entrar pra, eventualmente, vê-lo na forma humana e tudo mudar. O conto vem do folclore alemão, cujas lendas chegaram aos irmãos enquanto viajavam por vilarejos europeus em busca de histórias.
“Sapo enterrado”
Diz-se isso quando um time de futebol fica anos sem ganhar um campeonato. Em 1937, os atletas do Vasco da Gama se atrasaram e fizeram com que os adversários do Andaray esperassem por horas. Apesar da demora, a vitória por W.O. não foi reivindicada e, como retribuição, foi pedido ao Vasco pra que pegasse leve. Porém, o placar final foi 12×0, despertando a fúria dum jogador do Andaray, que, reza a lenda, teria enterrado um Sapo em São Januário, pra que o Gigante da Colina ficasse anos sem títulos. Depois disso, torcedores vascaínos de fato amargaram uma seca de 12 anos sem títulos.
Kermit, the frog
Kermit, ou Caco, é uma representação do homem comum (isso mesmo) largamente presente na cultura pop americana há décadas. Desde sua primeira aparição, em 1955, foi abraçado pelo público e ganhou espaço em tudo quanto é tipo de produção, da TV aos musicais. Amado por gerações e mais gerações, o líder dos Muppets virou um símbolo carismático dos EUA.
Kaeru & Chan Chu
Kaeru, além de “Sapo”, também significa “voltar” em japonês. A tradição, que veio da terra do sol nascente e se firmou em terra brasilis, consiste em presentear pessoas queridas com uma miniatura do anfíbio, feito um amuleto de boa sorte. Já o Chan Chu é a representação chinesa do Sapo como símbolo de prosperidade. De acordo com a tradição, durante o dia estes Sapos devem ser deixados de frente à porta de entrada da casa, convidando a boa fortuna a entrar. Mas, à noite, devem ser deixados de costas, pra evitar que o dinheiro deixe aquele lar.
Chuva profícua à vista
Na América Central, os Maias viam o barulho dos Sapos como uma manifestação do deus Chac, anunciando a chuva que fazia brotar verde em planícies secas. Além do crescimento de plantas, também eram relacionados à fertilidade humana.
Ponto é que, aqui ou acolá, o Sapo desses contextos diversos é o mesmo dos Guaranis. Apesar de parecer em paz coaxando distante dos excessivos debates virtuais, o anfíbio ora troçado ora adorado é o herói que nos cabe agora. Tal qual o vigente cenário fluido-cibernético, é a fagulha que desperta as mais distintas interpretações. Capazes de incendiar as bolhas em que vivemos e assim criar novos mundos, que tanto o Sapo quanto o calor da revolução possam fazer com que a comunhão chamusque pelo céu da atualidade.