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Crescente Fértil (Ilustração)
#42ÁguaCulturaSociedade

Os usos sociais da água: entre a natureza e a cultura

por Jayme Jovegelevicius

“Basta conocerla un poco para comprender que el agua está cansada de ser un líquido.”
Peripecias del agua – Julio Cortázar

Um líquido inodoro, insípido e incolor. Ao mesmo tempo, vital. A história da água se confunde com a própria história da vida na Terra. Teriam as primeiras células surgido de uma “sopa primordial”, um líquido altamente concentrado em matéria orgânica que foi aquecido pela radiação solar a ponto de, gradualmente, gerar seres vivos? Ao que tudo indica, no atual estágio das investigações científicas, sim.

Aqueduto do Convento de Cristo

De outro ponto de vista, o do interesse pelo estudo da vida humana em sociedade, a relação entre nossa espécie e a água também se mostra fundamental. Está na raiz das indagações antropológicas o desejo por delimitar quando o ser humano deixou de ser “apenas” um animal natural para tornar-se, também, um animal cultural. O evento que simbolizaria essa passagem, da natureza à cultura, já foi imaginado e teorizado de diversas maneiras, a saber, o início das religiões, a invenção da escrita, a proibição do incesto ou o cercamento de pedaços de terra por privados. É nesse longo processo sócio-civilizatório que se inscreve a história da espécie humana e sua relação com a água: em última instância, a tentativa de dominar, por parte de distintas culturas, aquilo que as produziu.

Desde uma perspectiva sociológica, podemos dizer que as tentativas de controlar os fluxos dessa substância impulsionaram decisivamente diversas áreas do conhecimento, como a engenharia, a arquitetura, a física e a química. Desde tempos imemoriais, a humanidade vem se adaptando a condições hostis. Surgida da água enquanto amontoado de células biológicas, pari passu, o salto em complexidade das primeiras formas de vida social está ligado a lugares úmidos, de acordo com as hipóteses historiográficas mais plausíveis. Nestes lugares férteis, como a região do Levante e da Mesopotâmia, acredita-se, ocorreu a “Revolução Neolítica”, ou seja, a transição do homem caçador-coletor, nômade, para o agricultor sedentário. A fixação geográfica e a consequente produção de excedentes alimentícios permitiram o surgimento de civilizações cada vez mais complexas, aptas a dominar, controlar e adaptar outros habitats em locais propícios para o florescimento de sociedades.

Tal acúmulo de conhecimento sobre as condições do solo, do clima e dos tempos da natureza teve consequências visíveis até os dias de hoje. Sob um olhar mais afiado, é espantosa a imbricação de saberes que foi necessária para a construção de represas e aquedutos, dispositivos antiquíssimos, construídos por diferentes civilizações no intuito de satisfazer necessidades cada vez menos “naturais” e cada vez mais “culturais”. Possivelmente a associação mais imediata para o leitor seja entre a civilização romana e suas construções hídricas: fontes, banhos, cisternas e aquedutos. Em relação a estes últimos, embora esteja consagrada na própria expressão aquæductus – do latim, a composição entre o líquido, aqua, e sua condução, o verbo ducere – há registros indicando que povos da Ásia e da África já haveriam construído complexos sistemas de controle e transporte hídrico anteriormente. 

Deslocando o foco em termos geográficos e temporais, vale a pena um olhar mais apurado ante as civilizações que precederam o mundo greco-latino. Não é possível compreender a paulatina complexificação da organização social e dos conflitos humanos sem contextualizar a abundância hídrica da faixa de terra em que surgiram os grandes impérios da Antiguidade Oriental. Entre os rios Nilo, Tigre e Eufrates, a humanidade produziu o que seriam as “superpotências” do mundo antigo, na região conhecida como o “Crescente Fértil”.  A primeira delas, a civilização egípcia, reinou soberana por mais de dois mil anos e está intrinsecamente ligada à agricultura irrigada às margens do Nilo, que favorecia o plantio do trigo, cevada, linho, papiro, legumes e frutas. Além de recurso produtivo, o rio era utilizado como meio de transporte de mercadorias entre as terras do sul e as regiões pantanosas do norte, bem como controlado e direcionado em seu fluxo de enchentes sazonais por sistemas de diques e canais de irrigação.  A simbiose entre o rio e a sociedade, entre a natureza e a cultura, imortalizou-se nas palavras de Heródoto, o primeiro historiador, para quem “o Egito foi uma dádiva do Nilo”.

Quando a hegemonia egípcia extinguiu-se, entrou em cena outro império no theatrum belli dessa região, que, durante os últimos séculos, acostumou-se a ser percebido como palco de conflitos por outro líquido, praticamente antípoda ao tema deste ensaio. Ainda que haja disputas por fontes de água, a região do Oriente Médio e da Península Arábica são territórios conhecidos por suas reservas de Petróleo, combustível fóssil de pouca valia em seu uso “natural”, porém cobiçado pela dependência “cultural” da espécie humana pós-industrial. Em território iraquiano, durante o século XIX, arqueólogos ingleses e franceses encontraram representações em relevo sob pedra, produzidos por outra imponente civilização antiga, os assírios. Ali se pode identificar um aqueduto, possivelmente construído durante o reinado de Senaqueribe, por volta do século VII a.C., que teria a extensão de 50 km. O Aqueduto de Jerwan precederia em cinco séculos as primeiras obras de engenharia hídrica romanas e alguns de seus mais de dois milhões de pedras foram posteriormente descobertos por novas investigações. Ainda mais fascinante, uma das hipóteses dos historiadores é de que sua função seria levar água até a cidade de Nínive para sustentar, especula-se, os famosos “Jardins Suspensos da Babilônia”.

Se a simbiose da água com o desenvolvimento da vida biológica e social na Terra é um fato verificável por onde quer que se olhe, o futuro não se mostra tão insípido, inodoro e incolor. Retornando nosso périplo histórico e geográfico ao continente americano, na data em que este texto é escrito, já se sabe que o povo chileno recusou a nova proposta de Constituição Nacional, votada por meio de um plebiscito popular, em 4 de setembro de 2022. Os motivos para isso são múltiplos e complexos, cabendo aos politólogos e demais analistas interpretá-los com o devido rigor analítico. 
Entretanto, uma das alterações do texto, propostas pela Assembleia Constituinte, dizia respeito ao status da água. A Carta Magna chilena, herança da sangrenta ditadura militar, não reconhece a água como um bem comum, nem seu uso como um direito humano, sendo a única no mundo que entrega os direitos de propriedade aos privados. Segundo um estudo de 2020, publicado por pesquisadores da Universidad de Las Américas (UDLA), seriam 29 mil os proprietários de direitos sobre a água, sendo que 1% desse total concentraria 79% dos recursos hídricos e mais de 1 milhão de chilenos não teriam acesso a água potável. Conforme escreveu o escritor Julio Cortázar, há que se fazer o possível para que a água esteja contente e volte a encher jarras e copos. Possivelmente disso dependa a sobrevivência da natureza e da cultura humana.

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