Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
Imagens: Divulgação/Vitrine Filmes
ArteCinema

Virar Mar: o gênesis e o apocalipse como rios afluentes

por Gustavo Freixeda

Nos pântanos de Dithmarschen, na Alemanha, o aumento do nível das águas passa a afetar ainda mais a vida diária das pessoas. Já no sertão brasileiro, o sofrimento se faz presente com secas cada vez maiores e mais duradouras. Ambas as situações, apesar de soarem como diametralmente opostas, são na verdade respostas ambientais, cada qual à sua maneira, a uma mesma circunstância: as mudanças climáticas. Dessas duas extremidades da ferradura, temos a dualidade entre a secura e a profusão, os brasis e as alemanhas, o fluido e o rijo, o físico e o metafísico, o Gênesis e o Apocalipse. Jogando fumaça sobre todas essas bordas, vendando os nossos olhos e permitindo que enxerguemos o que não veríamos com as lentes dos óculos, temos o filme Virar Mar / Meer Werden, do brasilleiro Danilo Carvalho e do alemão Philipp Hartmann. 

Há quem defina como documentário, há quem defina como uma travessia entre a ficção e o documental. No entanto, considerando o quimerismo genético da produção, para abarcar tanto a vertente vérité quanto a vertente onírica, talvez o melhor seja dizer que se trata de uma espinha dorsal documental com filmes dentro de si que muito bebem do imaginário — à semelhança do que faz o cineasta Joshua Oppenheimer, um dos grandes documentaristas da atualidade, em obras como O ato de matar (The act of killing). Ao transitar sem demarcações claras pela pequena cidade alemã que lida com a abundância líquida e o vilarejo cearense que sofre com a sequidão, os realizadores inserem nos vãos dessas realidades brutais algumas seções devaneantes que aumentam o clima de urgência e de fim dos tempos perdurante pela 1h20 de filme, contribuindo para que os recados ambientalistas sejam dados. 

Exemplo evidente disso é a aparição de Jesus — diante do próprio Philipp Hartmann, fazendo aqui as vezes de um técnico de som —, que, no lugar de caminhar sobre a água, afunda humanamente até a cintura. Em resposta a Hartmann, que questiona a sua potestade, Cristo arrebata: “Com tanta poluição causada pelo homem, meu filho, nem mesmo o poder de meu pai consegue fazer com que eu caminhe sobre as águas.”

Nas duas beiradas, conhecemos personagens entregues a uma certa rebeldia, recusando-se a procederem da maneira como dizem que devem proceder. Em Dithmarschen, enquanto deixa de fundo o noticiário que ressoa com um sobressalto que não lhe pertence, um homem segue morando em sua casa de maneira olímpica, mesmo depois de ter recebido a ordem de evacuação. A resistência no Brasil se dá pelas vias da indignação, por pessoas que preferem lutar em prol do açude que salvará suas vidas ao invés de se entregarem à sede, fazendo de tudo para chegarem em quem pode fazer com que a construção aconteça. É assim que as geografias se cruzam não só para lançar bilhetes sobre o estado alarmante do meio ambiente, mas também sobre o corpo social, igualmente afetado e na bica de entrar em colapso: enquanto uns se enchem de água e de solidão, outros se veem esvaziados e forçados a agir.

Os símbolos religiosos são evocados com frequência, mesmo quando não de maneira literal, como é o caso do empoçado Jesus Cristo ou então como a apresentação de uma missa que mostra aos devotos presentes uma animação precária do Jardim do Éden. Amalgamados na beleza e na crueldade da água, as divindades se manifestam nos movimentos incessantes da tormenta, no apoucamento do semiárido, no bater de asas do foguete-garrafa, no tombamento da cachoeira, na calmaria seca sobre a qual o barco descansa. De todos os elementos que constituem o planeta — e constitui nós, seres humanos —, a água é decerto o mais basilar. Não seria um exagero, portanto, como nos mostram Danilo Carvalho e Philipp Hartmann, dizer que a água é a religiosidade mais substancial com a qual podemos ter contato. 

E assistir a este cogitativo Virar Mar / Meer Werden é como ficar de frente para um altar.

Em face de tanta grandiosidade, seja ela raivosa ou misericordiosa, anjos e deuses parecem indecisos: estamos no começo ou estamos no final? Qualquer que seja a resposta, cedo ou tarde viraremos mar. 

Amém.

Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

Maria Beraldo e sua terra de referência: Caetano Veloso

# Terra: Especial 10 anos Arte

Editora convidada: Helena Cunha di Ciero

#18 Romance Editorial

por Helena Cunha Di Ciero

Opção pela Hipocrisia

#6 Verde Cultura

por Fernando Grostein Andrade Conteúdo exclusivo para assinantes

Instinto selvagem e simplicidade em Cristina Canale

#33 Infância Arte

Café, água e bolacha por Bruna Albuquerque

#22 Duplo Amarello Visita

por mA.tO Conteúdo exclusivo para assinantes

Ainda é possível sonhar, Martin?

#49 Sonho Sociedade

por Jackson Augusto

O Masculino

#36 O Masculino Cultura

por J. E. Beni Bologna José Ernesto Bologna

Culto à juventude: qual é o lugar dos anos na sociedade?

Sociedade

Corpo campo

#23 Educação Cultura

por Poli Pieratti Conteúdo exclusivo para assinantes

Dar ouvidos

#38 O Rosto Cultura

por Poli Pieratti Conteúdo exclusivo para assinantes

Abraçar aquilo que não controlamos

#42 Água Fotografia

por Gustavo Freixeda

Aurora

#32 Travessia Cultura

por Helena Cunha Di Ciero

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.