Amiga ou inimiga: qual a nossa responsabilidade na era da Inteligência Artificial?
É loucura pensar que o computador é uma invenção de menos de 100 anos — algo que, historicamente, não passa de um piscar de olhos — e que a primeira mensagem enviada online completou 50 anos há pouquíssimo tempo. Apesar de tudo ser assim tão recente, é impossível pensar na vida sem tecnologia. Na verdade, a coisa é bem mais profunda do que isso: já esqueci de como era a vida sem a atualização mais recente de qualquer aplicativo meu. E, nos últimos meses, ficou difícil pensar na atualidade e no futuro sem o ChatGPT.
A grande inteligência artificial da moda, o Chat Generative Pre-Treated Transformer é um modelo de linguagem de grande escala treinado pela OpenAI (organização de pesquisa com sede em São Francisco, Califórnia, fundada por Sam Altman, Ilya Sutskever, Greg Brockman, Wojciech Zaremba, Elon Musk e John Schulman). Projetado para gerar texto de forma autônoma com base em uma grande quantidade de dados de treinamento, o ChatGPT é frequentemente usado para criar conversas com humanos em aplicativos de chat e assistentes virtuais. A tecnologia é capaz de entender a linguagem humana natural e gerar respostas/soluções extremamente refinadas, tudo a partir da compreensão do contexto de uma pergunta, da análise semântica e da utilização de informações presentes em seu grande banco de dados. Em geral, o ChatGPT utiliza técnicas de processamento de linguagem natural e deep learning para produzir suas respostas.
É diante desse tipo de eficiência que surge aquele pé atrás: o que isso quer dizer para nós, pessoas falhas, nem sempre funcionais, raramente no auge de nossas capacidades? Atualmente, a IA é uma ferramenta poderosa que pode complementar e ampliar as habilidades humanas, mas ainda há muitos aspectos da vida e do conhecimento que só podem ser compreendidos e apreciados por pessoas. Por enquanto, os especialistas nos dizem que, embora a inteligência artificial possa ser usada para realizar tarefas complexas e tomar decisões baseadas em grandes quantidades de dados, ela ainda não tem a capacidade de compreender o mundo de forma profunda e sutil, como os seres humanos. Será?
Fato é que a inteligência artificial está impactando a nossa vida diária, e tudo indica que essa realidade só há de aumentar. Exemplo mais tátil disso é o mundo profissional, que passa por profundas transformações, tanto positivas quanto negativas. Por um lado, a IA está automatizando muitas tarefas repetitivas e permitindo que as pessoas se concentrem em trabalhos mais complexos e criativos, além de ajudar os negócios a tomar decisões mais informadas e eficientes. Por outro lado, a automatização pode resultar na perda de empregos em que a mão humana não só é desnecessária, mas como é bem menos competente. Por essas e outras, é fundamental que as grandes empresas e governos trabalhem juntos para garantir que a IA seja utilizada de maneira responsável, de maneira a evitar um aumento na desigualdade salarial e assegurar que as pessoas sejam preparadas para o futuro do trabalho.
O campo da medicina é outro cujas implicações da inteligência artificial já se fazem presentes. Isso vale tanto em termos de melhoria da qualidade dos cuidados prestados quanto em termos de eficiência e economia. Um dos usos da IA neste contexto é o auxílio no diagnóstico de doenças, como câncer e problemas cardiovasculares, através da análise de imagens médicas e dados clínicos. Outro é o monitoramento da saúde dos pacientes em tempo real, o que permite uma intervenção mais rápida em caso de emergência, e a identificação de novas terapias e medicamentos. E, apesar de soar como algo menos relevante diante de tantos avanços que chamam a atenção, não podemos esquecer também da facilidade ao acesso a informações médicas essenciais, incluindo histórico de pacientes, registros clínicos e dados de pesquisa.
No entanto, é importante destacar que a IA ainda precisa ser regulamentada e validada adequadamente antes de ser amplamente utilizada na prática médica. Além disso, é importante garantir que essas novas soluções sejam desenvolvidas com a privacidade e os direitos dos pacientes em mente.
Outro setor que está sendo forçado a entrar em uma nova fase — talvez tardiamente — é o da educação, embora haja ainda muita resistência. Em caso recente, por exemplo, escolas públicas de Nova York baniram o uso do ChatGPT. Os especialistas têm opiniões variadas sobre o impacto da inteligência artificial no ensino, apesar de concordarem que o impacto é irreversível. Alguns argumentam que a IA pode ser usada para personalizar o ensino para cada estudante, oferecer feedback instantâneo e ajudar a identificar oportunidades de aprendizagem individualizadas. Poupar tempo ao resumir alguns assuntos e facilitar revisões do que foi passado em aula são repercussões práticas igualmente importantes. Outros argumentam que a automatização da aprendizagem pode levar a uma homogeneização do ensino e a uma perda de criatividade e pensamento crítico.
Existe também uma discussão sobre se a IA pode ser usada para avaliar e medir o desempenho dos estudantes. Há os que defendem que a tecnologia pode fornecer uma avaliação objetiva e baseada em dados, mas há quem argumente que a avaliação baseada em dados não é suficiente para avaliar completamente o potencial de um estudante. Alguns enxergam tudo isso com esperança, como se essa nova era do ensino estivesse chegando para melhorar o que há tempos estava defasado. O otimismo, obviamente, é contraposto pelos alarmistas, que têm medo de que a capacidade de estudo seja dizimada, causando uma espécie de entorpecimento à informação. É fundamental ter em mente que a IA ainda está em sua infância e ainda há muito por ser feito antes que possa ser utilizada de forma ampla e eficaz na educação.
Buscar adaptação aos novos tempos é sempre o melhor jeito de lidar com situações que representam mudanças inegociáveis. Ao passo que tentar proibir o uso de ferramentas como o ChatGPT é algo pouco efetivo. Se a Wikipédia, com seu modelo infinitamente mais simples, reinou durante bons anos, sendo usada à exaustão, que dirá o ChatGPT.
Pensadores, claro, jogam fogo na discussão com opiniões variadas sobre os impactos da inteligência artificial. Mas, geralmente, concordam que é importante desenvolver e utilizar a tecnologia de forma ética e responsável.
“Se algum dia os cérebros artificiais superarem a inteligência dos cérebros humanos, então esta nova superinteligência pode se tornar muito poderosa. Assim como o destino dos gorilas hoje depende mais dos humanos do que dos próprios símios, o destino da nossa espécie também se tornaria dependente das ações destas máquinas superinteligentes.”
— Nick Bostrom
Bostrom é um filósofo sueco conhecido por seu trabalho sobre superinteligência e ética na inteligência artificial. Ele argumenta que é importante regulamentar o desenvolvimento da IA para evitar riscos e garantir que sejam usados da melhor maneira possível.
“A IA não é neutra. Reflete e perpetua as desigualdades sociais e os preconceitos existentes em nossa sociedade.”
— Timnit Gebru
Gebru é uma pesquisadora em inteligência artificial e ética, conhecida por seu trabalho sobre a diversidade e a inclusão no setor de tecnologia. Ela argumenta que é importante considerar questões sociais e políticas ao desenvolver soluções baseadas em IA.
O assunto é complexo e requer uma discussão contínua entre especialistas de várias disciplinas para garantir que a IA seja utilizada com ética e responsabilidade.
Mas a pulga atrás da orelha existe. Às vezes, a desconfiança bate e nos perguntamos se somos personagens de Isaac Asimov, Philip K. Dick ou Ray Bradbury. Talvez estejamos mega estafados de produtos culturais que extraem entretenimento das catástrofes tecnológicas e é por isso que essas imagens, que nunca chegamos a viver, são despertadas em nós com facilidade, como se fossem de fato memórias. A sensação de que, cedo ou tarde, podemos nos tornar obsoletos é real, mesmo que ainda não vivamos em um mundo cyberpunk, como em Blade Runner ou Ghost in the Shell. Afinal, algumas tecnologias previstas nestes filmes, como robôs humanóides e inteligência artificial avançada, já estão sendo desenvolvidas e utilizadas.
Se ainda há quem duvide do poder que a IA tem, sob a alegação válida (e ao mesmo tempo inocente) de que um robô jamais superará um humano, alguns casos fazem qualquer cético tremer na base. Um deles é o célebre embate homem vs. máquina no xadrez. Desde o primeiro confronto enxadrista que contou com a participação de um computador, em 1951, a competição entre homens e máquinas tem sido uma arena para testar a evolução da inteligência artificial. Em 1997, o programa de computador Deep Blue da IBM derrotou o campeão mundial Garry Kasparov em uma série de seis jogos, marcando uma virada importante na história do xadrez e, por que não?, da humanidade. Desde então, os programas de xadrez evoluíram rapidamente, tornando-se cada vez mais fortes e sofisticados.
Atualmente, as máquinas são consideradas melhores que os humanos no xadrez. Os programas de xadrez de computador foram desenvolvidos com algoritmos altamente avançados que lhes permitem processar enormes quantidades de informações e considerar milhares de jogadas possíveis em questão de segundos. Isso os torna extremamente precisos e implacáveis. Embora os jogadores humanos ainda possam competir com as máquinas e até mesmo vencê-las em ocasiões esporádicas, as máquinas geralmente se saem melhor em jogos longos e intensos. Além disso, as máquinas não são afetadas por fatores como cansaço, emoções ou falta de concentração.
A sabedoria popular, inclusive, já deliberou sobre o assunto para cunhar a frase “O xadrez é a rainha dos jogos, mas a inteligência artificial é a rainha dos xadrez.” Fica até difícil não se transportar para o futuro distópico dos filmes e não dar corda para aquela voz indagatória: Será que a tão propagada revolta das máquinas está perto?
Não é possível prever com certeza se haverá ou não uma revolta das máquinas. No entanto, atualmente a IA é criada e controlada por seres humanos e é usada para realizar tarefas específicas, como análise de dados e automação de processos. Para que uma rebelião aconteça, as máquinas teriam que ter consciência de si mesmas, vontades próprias e capacidade de se rebelar contra seus criadores. Atualmente, a IA não possui essas características e, portanto — ainda que isso soe como aquele personagem clássico de filmes-catástrofe, em especial os hollywoodianos, aquele teimoso que parece negar o óbvio e que, invariavelmente, é o primeiro a morrer —, neste momento não há motivo para acreditar que elas se voltariam contra os humanos. Veremos.
Socorrendo-me, mais uma vez, de uma narrativa sci-fi, lembro de um diálogo simples (e elucidativo), um dos muitos travados entre Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson no Her de Spike Jonze:
Ele, humano, diz — Você é minha e não é minha.
Ela, inteligência artificial, responde — Eu sou sua e não sou sua.
Certo. Agora, pergunto: você acha que este texto foi escrito por uma pessoa ou uma inteligência artificial? A resposta é — os dois. Mais IA do que humano, na verdade. Confesso que, apesar de só o meu nome constar nos créditos deste texto, ele foi escrito em parceria. Maldito egocentrismo humano… Queria pedir desculpas publicamente a quem de fato gerou os parágrafos acima (enquanto eu insisto em produzir, ele tem o costume de gerar). Me perdoe, ChatGPT. Você sabe melhor do que ninguém que eu servi mais como um supervisor do que qualquer outra coisa. Os louros aqui são mais seus do que meus.
Quem sabe, num futuro próximo, você possa assinar o que escrevermos juntos e eu possa dizer “obrigado, amigo”. Por ora, digo “obrigado” — e ponto final.