Portfólio: Luísa Matsushita
Fotos de Edouard Fraipont.
Cortesia Galeria Luisa Strina.
Qual foi a última vez que você se deparou com humor nas artes plásticas? É coisa das mais raras, dessas que aparecem com a frequência de um eclipse — e um eclipse solar, não um eclipse lunar.
Vê-se por aí ironia, críticas mordazes, acidez opinativa, mas o humor, é bem verdade, não costuma dar as caras. Por algum motivo, em se tratando do mundo das artes plásticas, existe um preconceito que circunda a abordagem humorística, como se ela inevitavelmente fosse resultar em arte de menor escalão ou qualquer sandice que o valha. Desnecessário dizer que isso não faz o menor sentido. O humor é, e sempre foi, uma ferramenta humana para lidar com todos os tipos de sentimentos, ressoando leveza e abraçando as profundidades mais inalcançáveis. Felizmente, há quem desafie essa regra não escrita sem em nenhum momento deixar cair o nível de sua produção.
Luísa Matsushita é uma dessas artistas, que, no auge de sua maestria, levanta as sobrancelhas e pergunta: “Se for autêntico e me representar bem… que mal tem?”
Enquanto Lovefoxxx, líder da banda Cansei de Ser Sexy (CSS), convida quem estiver ouvindo a adentrar o seu universo e a compartilhar risos diante da desgraça e da glória, criando uma tapeçaria onde todos se sentem à vontade em sua própria pele — e, veja bem, ela já o fazia antes que isso entrasse nas demandas do mercado, no começo dos anos 2000. Até os dias de hoje, a cativante persona da vocalista, que nunca leva a si mesma demasiadamente a sério, cultiva empatia através de um espírito positivo e debochado. Prova disso é que, recentemente, o CSS foi a grande sensação do Primavera Sound São Paulo, mesmo com o festival contando com nomes de peso como The Cure e The Killers. A comunicação sincera com o público se inicia com sacadas líricas perspicazes e alguns sorrisos, criando uma troca verdadeira que se dá de igual para igual.
Algo similar acontece com suas pinturas. Transformar um guarda-roupa em reflexões sobre emoções e vivências não é tarefa simples. Ela realiza essa proeza com uma irreverência e assertividade tão marcantes que até mesmo aqueles que não se interessam por artes plásticas se sentiriam em casa.
Já pensou encarar uma pintura em uma galeria chamada Cebolão ou Todo mundo gosta de uma graminha? Até parece um desafio questionar a sinceridade de um processo artístico que resulta em títulos tão inusitados (Envelopa de vulva é outro que não deixa barato). Com sua música, chacoalhou de Glastonbury ao Japão; com seus quadros, cria mundos abstratos em que a estética se mistura com a leveza e a política dança com o cotidiano, tudo num samba equilibrado de formas e cores que evocam tanto precisão quanto espontaneidade.
A qualidade de suas pinturas é, ao mesmo tempo, surpreendente e esperada, pois não estamos falando de uma mudança de cenário completa, incontornável, mas sim de uma progressão natural de sua expressão criativa. As duas vivências artísticas se complementam. O talento que flui por diferentes métodos de expressão vem do mesmo lugar. No interior de São Paulo, ela tirava inspiração até do céu e das árvores do matagal ao redor. E agora, toda essa sensibilidade se traduz em pinturas abstratas que misturam política, feminismo e um toque especial, e tão característico, de bom humor.
A sua primeira exposição solo, Se não for para chorar, eu nem saio de casa — realizada na Galeria Luisa Strina, em setembro e outubro deste ano —, é como um mapa emocional, onde cada pintura é uma casa nova, uma extensão de sua força criativa no mundo. Cada obra é um fragmento do universo interior de Luísa Matsushita. E, muito embora o apuro técnico esteja ali e esteja sobrando, nossos instintos criam uma sensação de que tudo vai além do visual, ecoando a mobilidade e a inalterabilidade de experiências vividas.
Para quem acredita que a arte carece de espaço para o humor, Luísa Matsushita está aqui para desmistificar essa ideia. Ela transforma o ordinário em extraordinário, rindo na cara de qualquer seriedade que seria tida como o caminho natural. Se o melhor nome para um quadro for Envelope de vulva, que assim seja. Por essas e outras, as Luísas do mundo devem ser celebradas com intensidade.
Até porque, se não for para rir ou chorar, ela nem sai de casa.