
Em busca da satisfação
A satisfação, ou sua busca, permeia nosso dia a dia. No restaurante, o garçom pergunta: está satisfeita? Sim, obrigada, eu respondo. Ele leva meu prato. Minha filha recebe uma nota satisfatória no colégio. Brigo com ela. Por que não uma nota melhor? Está satisfeita com essa mediocridade? Vou trabalhar e meu chefe me pergunta se busco me satisfazer como profissional. Sim, respondo, mas não apenas isso. Quero ultrapassar, e não apenas satisfazer, todas as expectativas. Entrego meu corpo à noite para satisfazer as minhas fantasias mais íntimas.
Mas o que é a satisfação? Simplesmente, a forma substantiva do verbo satisfazer, que por sua vez vem do latim satisfacere. Do verbo facere, fazer ou cumprir, e satis, bastante, o suficiente, em quantidade adequada. A etimologia é interessante, pois revela algo que às vezes esquecemos: que a satisfação vem de fazer o suficiente. O tanto adequado. Cumprir o dever. A palavra nasceu na Europa medieval. Brotou de uma sociedade altamente religiosa, na quale a fé cristã moldava a vida das pessoas e os rumos da história. A ideia do pecado, desde o pecado original de Eva, que não se satisfez com tudo que o paraíso tinha a oferecer e provou daquela maldita maçã, pairava sobre todos. Era inevitável viver uma vida de pecador, pois os pecados são muitos e lutam contra a natureza humana. Quem nunca cobiçou, deu falso testemunho, desonrou os pais, tomou o nome do Senhor em vão?
Para lavar a alma dos pecados, era necessário confessar e receber do padre alguma forma de reparação. Sentir arrependimento ou contrição e receber o remédio da penitência. Reze doze Ave-Marias, minha filha. Peça esmolas, faça jejum ou uma vigília, saia em peregrinação. E apenas ao completar esses atos alcançará a misericórdia divina. Faça o suficiente para pagar essa dívida com Deus. Satis+facere.
I can’t get no satisfaction. Talvez, Mick, você não esteja fazendo o suficiente. Ou talvez tenha caído na armadilha da vida moderna, em que deixamos de entender a satisfação como uma ação individual, interna, o ato de cumprir ou reparar, e passamos a buscá-la em fontes externas. Drogas, sexo, carreira, relacionamentos, séries de TV, gorduras saturadas. Coisas que nos fazem sentir bem, mas que não geram satisfação, ao menos não duradoura.
Mahatma Gandhi dizia que a satisfação está no esforço, e não apenas na realização final. Estudos mostram que há uma forte correlação entre a satisfação e o esforço. É um paradoxo. Como espécie, não gostamos de fazer esforço, e muitos dos maiores avanços da humanidade são maneiras que criamos para gerar mais eficiência e diminuir o esforço. Ao mesmo tempo, nossas vidas requerem esforço, seja físico ou mental, todos os dias. O campo da psicologia gerou um termo para isso: a lei do esforço mínimo. A lei diz que, dada a escolha entre opções igualmente gratificantes, tanto humanos quanto animais estudados sempre escolherão a opção que exige menos esforço. E enquanto estudos empíricos em neurociência cognitiva e em economia têm reforçado essa noção, ela conta apenas metade da história.
As pessoas se esforçam mais para obter algo de maior valor, isso é claro. O rato correrá maior distância no labirinto para ganhar um pedaço maior de queijo. Mas o interessante é a noção de que o ato de se esforçar também pode tornar essas mesmas coisas mais valiosas e que o esforço pode até ser valioso ou recompensador por si só. Nós, humanos, consideramos os mesmos resultados mais gratificantes se mais, e não menos, esforço for usado para os alcançar. Ou seja, para usar a analogia do rato, o queijo fica mais gostoso quanto mais se corre para consegui-lo. Através de um processo chamado indústria ou laboriosidade aprendida, nós aprendemos que exercer esforço muitas vezes leva a melhores resultados, o que resulta em um ciclo virtuoso no qual o exercer do esforço se torna a recompensa por si só. Claro que fico feliz se consigo aprender algo novo com rapidez. Dominar aquele esporte logo de cara, ganhar um jogo na primeira vez em que jogo… Isso me traz felicidade, mas nada me traz satisfação maior do que conseguir superar algum obstáculo através do meu próprio esforço.