#17CidadesCulturaSociedade

Deus no céu e o queens na Terra

por André Tassinari

“When we’re free to love anyone we choose
when this world’s big enough for all different views
when we all can worship from our own kind of pew
then we shall be free”


Garth Brooks

Os moradores da região do Queens em Nova York gostam de se gabar de que lá é o lugar com maior diversidade étnica em todo o planeta. Consequentemente, a diversidade religiosa encontrada ali também é muito grande. Mas não costumamos ler nos jornais notícias sobre o Queens em que se fala de vizinhos que jogam bombas no terreno ao lado, ou de habitantes que cometem atentados suicidas, ou de limites territoriais em que pessoas de determinada religião não podem circular. Ao que parece o Queens é um bom exemplo para o mundo: um lugar onde pessoas de diferentes religiões podem conviver de forma pacífica.

Quem são essas pessoas tão diferentes mas que vivem todas no mesmo borough da principal metrópole dos Estados Unidos? Os norte-americanos têm dados detalhados para tudo, então podemos facilmente saber que ali vivem cerca de 2,2 milhões de pessoas (dos 8 milhões da cidade), sendo aproximadamente 28% de origem hispânica, 28% brancos não-hispânicos, 23% asiáticos e 18% negros não-hispânicos.

E quais são as religiões praticadas na região? Infelizmente esse dado não é tão fácil de ser encontrado. Isso porque existe uma lei que proíbe que se pergunte às pessoas sobre sua religião, se a pesquisa for de caráter obrigatório como é o caso do Censo. É um certo exagero dos norte-americanos. Bastava haver um campo em que se pudesse colocar “religião não declarada”, como no Censo brasileiro (no Brasil, pelo Censo de 2010, há 64,6% de católicos, 22,2% de evangélicos – número que vem crescendo, e 8% que se declararam sem religião, sendo as outras religiões pouco representadas).

Existem algumas outras fontes de dados que não o Censo que apresentam números de pessoas por religião, mas, justamente por não ser obrigatório responder, as pesquisas acabam não sendo confiáveis, pois muita gente acaba não declarando sua fé. Já que não conseguimos saber mais sobre as religiões no Queens através de levantamentos demográficos, podemos tentar analisar a partir de dados sobre o tipo e a quantidade de igrejas ou templos que estão presentes ali.

No site da prefeitura há um mapa interativo bem fácil de usar onde se pode encontrar uma série de informações e sua localização, tais como escolas públicas, postos de bombeiros, bibliotecas, etc. Basta escolher um distrito da cidade e clicar no tipo de informação que se deseja visualizar no mapa.

Como exemplo, vamos ver o que existe no distrito número 9 do Queens. Esse distrito tem uma população de cerca de 140 mil pessoas. Como comparação, essa é a população aproximada do distrito de Vila Mariana, em São Paulo, ou do bairro de Copacabana, no Rio. Os habitantes dessa área do Queens são 41% de origem hispânica, 22% asiática, 20% são brancos e 8% negros.

Conseguimos visualizar no mapa a localização de 14 escolas públicas, 3 postos de bombeiro e 2 bibliotecas, entre outros pontos de interesse. Mas novamente não achamos nada sobre religião. Não há a opção de mostrar igrejas ou outros locais de cunho religioso. Vamos ter que ir atrás de outras fontes. Usando o Google Maps como ponto de partida e depois os sites das igrejas/templos para confirmação, conseguimos ter um panorama das entidades religiosas no distrito. Igrejas católicas há pelo menos meia dúzia.

Mesquitas são três. Templos hindus, no mínimo cinco, além de dois templos sikhs (outra religião originária da Índia). Sinagogas são duas. Outras igrejas cristãs existem em mais de uma dezena de denominações: presbiteriana, luterana, batista, metodista, da ressureição, assembleia de deus, adventista, mórmon, episcopal, sung shin (coreana)…

Com tanta variedade, decidi investigar mais a fundo uma dessas religiões, uma que fosse de um universo menos familiar para mim. Me programei para ir ao centro religioso no dia da semana mais importante para essa religião. Nesse dia, os praticantes que moram em cada região se congregam no local de culto para orar e fortalecer o vínculo entre os membros da comunidade. (Por sorte eu tenho um tipo físico que me possibilita passar por um membro dessa comunidade.)

A primeira coisa que me surpreendeu é que não havia mulheres no ambiente de oração, que era liderado por um sacerdote que ficava lá na frente voltado para os fiéis. Alguns fiéis que pareciam ter importância na comunidade também eram responsáveis por algumas orações. As orações eram feitas em uma língua muito difícil de entender, mas de bonita sonoridade. Algumas orações eram apenas frases recitadas, já outras eram entoadas de maneira melódica, quase como uma canção. O volume das orações não era alto, a maioria dos fiéis orava baixinho, como que para si mesmo, ou como uma conversa ao pé do ouvido com deus.

Além das palavras havia também alguns movimentos do corpo que eram parte fundamental das orações, entre os quais uma certa curvatura do corpo para frente. As idades dos homens presentes eram bem variadas, desde bem jovens até anciões. Muitos usavam barba, mas não era obrigatório. Apesar do verão nova-iorquino, a praxe era usar roupas que deixavam poucas partes do corpo descobertas. Um item de vestuário que achei interessante era uma espécie de chapéu sem abas, que parecia que ia cair da cabeça a qualquer momento. Aqui chapéu é sinal de respeito e religiosidade, ao contrário de alguns lugares onde usar chapéu em ambiente fechado é errado.

À medida que os fiéis iam chegando, cada um iniciava suas orações, não precisavam começar todos na mesma hora. Lá pelo meio da missa, digo, sessão, o sacerdote começava a falar de maneira diferente com os fiéis: era a hora das palavras de alguém que é considerado um sábio pelos seguidores, que ouvem atentamente suas orientações e reflexões. Após o fim das orações, os homens iam saindo um a um da sala de culto, e trocavam saudações lá fora, onde também conversavam sobre assuntos da comunidade.

Afinal, que tipo de templo era este que eu visitei? Uma mesquita? Uma sinagoga? Ambas. A descrição acima serve para as duas visitas que fiz, uma a uma mesquita, em uma sexta, e outra, em um sábado, a uma sinagoga.

Até que, no meio de tanta diversidade, deu pra encontrar bastante similaridade.