Sempre me vi como um artista trágico, mas esse é um lugar-comum para quem procura coisas numa cidade que não nega variados níveis de violência. No entanto, conforme avanço nas minhas pesquisas urbanas, me pego desenhando florzinhas.



Essa atividade aparentemente pacata se dá por estudar a cidade do ponto de vista de um naturalista, explorando a paisagem e plantas, que, todos sabem, não têm voz nem olhos, mas se comunicam de forma lenta e sutil com quem tem a disposição de desacelerar-se das rotinas cotidianas.

Engana-se quem imagina uma busca pela harmonia e pelo murmúrio apaziguador. As plantas urbanas, em geral, costumam gritar alto.

Faz dois anos que estou à frente do projeto Cerrado Infinito, um trabalho de arte que consiste em descolonizar a paisagem vegetal da cidade por meio da construção de uma trilha de terra, onde planto, nas suas margens, espécies dos Campos de Piratininga, a paisagem de cerrado onde São Paulo se desenvolveu.

As plantas sobrevivem esparsas pela cidade, encontradas em condições de alta vulnerabilidade, e são coletadas e agrupadas para recriar essa paisagem esquecida. O processo é semanal, contínuo e aberto, feito com a colaboração de uma comunidade de pessoas que se formou ao redor, disposta a ajudar a plantar, semear e pensar por que substituímos 95% da nossa vegetação por espécies estrangeiras.

A descolonização sugerida vai além da dimensão material. Ao criar o local, desenvolvemos relações de intimidade com essas plantas, ressignificando e tomando conhecimento do chão onde vivemos e do processo de desenvolvimento que escolhemos ter.

É uma mudança de percepção que ocorre lentamente e que se torna explícita ao promover piqueniques aleatórios chamados de Descolonization!, onde fazemos associações artísticas, compartilhamos memórias, histórias e culturas mortas, pensando junto a importância do cerrado.

O Cerrado Infinito se torna, então, um processo de subversão do urbanismo que devolve ao território o estado de terreno baldio de onde as plantas vieram, zelando pela sua inutilidade, para que nada mais seja construído ali. Na cidade que não para de acelerar, comandada pela especulação imobiliária, o assunto tem um papel central se quisermos repensar o país.

Exagero? Poderíamos começar pelo básico: sem cerrado não teremos água, mas, como o nome do projeto diz, são assuntos infinitos que não cabem aqui e que são melhor entendidos visitando as plantas, ajudando na terra, tomando sol e batendo papo. Ou simplesmente desenhando flores.