A Floresta Amazônica é a maior floresta da Terra, com aproximadamente 7 milhões de quilômetros quadrados. Não é formada por um tipo único de vegetação, mas por distintos ecossistemas: florestas densas de terra firme, florestas estacionais, florestas de igapó, campos alagados, várzeas, savanas, refúgios montanhosos e formações pioneiras.
Ao buscar Amazônia no mapa, surge um ponto no meio do verde vasto que diz: “Amazônia, Maior floresta tropical e…” As reticências fazem parte do nome – só desaparecem com o excesso de zoom. Quando a aproximação fica extrema, a ponto de apresentar o contorno das árvores, o título cresce para: “Amazônia, Maior floresta tropical e biodiversidade.”
É curioso pensar na relação das reticências com esta Floresta, justo o sinal de pontuação que indica uma ideia que ficou por terminar. Dona de uma história inconclusiva, a Amazônia parece não caber nas palavras. Estima-se que a presença humana na região começou há cerca de onze mil anos. Povos ágrafos – sem escrita – representam a maioria.
A extensa biodiversidade é acompanhada de uma proporcional sociodiversidade. Apesar da ausência da grafia, estima-se que mais de mil línguas foram faladas na região até o século 16. Segundo o lingüista Aryon Rodrigues, a quantidade de línguas caiu para cerca de 240.
A lógica eurocêntrica de conhecimento não possui métodos que dêem conta de desvendar tamanha especificidade e complexidade cultural. Entretanto, muitos ramos da ciência dedicam-se à região, e a arqueologia tem papel fundamental – provando que os modos de interação com os recursos naturais eram completamente diferentes do que estamos propondo hoje para a região.
Há cerca de um mês, inúmeras notícias traduziram descobertas arqueológicas lideradas por Heiko Prümers. O grupo de pesquisa, que trabalha na região desde 1999, encontrou pirâmides, canais e estruturas incrivelmente complexas na região de Llanos de Mojos, na Bolívia. Os resultados foram publicados no dia 25 de maio de 2022, na revista Nature.
Décadas antes, outros pesquisadores já vinham decifrando a presença de assentamentos semelhantes, de grande e médio porte, próximos ao Alto Xingu, no Brasil e em toda a borda sul da Amazônia. Mas o grande impacto do estudo tem a ver com duas coisas: a precisão da escala e o acesso às imagens. As estruturas chegam a 4.500 quilômetros quadrados, que só se tornaram visíveis graças a uma tecnologia chamada LIDAR, na qual um laser ligado a um helicóptero escaneia a área.
A tecnologia é capaz de criar uma rede de pontos que apura a topografia. Depois, digitalmente, é possível distinguir a densidade do que foi escaneado – permitindo que toda a vegetação seja subtraída da imagem. O resultado é tão inédito – e improvável – que parece se tratar do reconhecimento do solo de um outro planeta.
A escala permite que a estrutura seja considerada ‘urbana’. Além disso, o mapeamento foi capaz de revelar dois grandes centros monumentais, cercados por áreas periféricas – aos moldes de uma cidade típica, hierárquica. Isso entra em contraste com outros sítios arqueológicos da Amazônia, que possuem áreas dispersas, sem a nitidez de um centro.
Como o solo não possui pedras, as construções são feitas de terra e algumas outras matérias orgânicas, como madeira, cipó e palha. Além das pirâmides, há evidências de canais elevados, calçadas, plataformas, terraços, reservatórios e um sofisticado sistema de abastecimento e irrigação – permitindo o cultivo mesmo nas estações secas. Além disso, muros de fortificação foram erguidos ao redor das estruturas principais.
Um aprendizado se destaca: o sistema de gestão de terras e águas, prova a sustentabilidade de uma cidade que coexiste com a natureza sem degradá-la. Há hipóteses de que esse povo, nomeado como Casarabe, habitou a região por novecentos anos – de 500 a 1400 d.C., um século antes da chegada da colonização européia. Supõem-se que o despovoamento tenha sido efeito de guerras, epidemias e/ou secas severas.
É apenas o princípio de uma descoberta que poderá ressignificar o passado – e o futuro – da grande floresta do mundo. O fato da região amazônica ser habitada por ágrafos não diminui a transmissão de sabedoria desses povos. São saberes inscritos em ações, em modos de vida. O desenvolvimento humano era – e é – vinculado ao desenvolvimento da natureza: em que sociedades convivem, mantêm e até melhoram os meios que a sustentam.