Um experimentalismo vibrante, uma somatória de formas difíceis de definir e um espírito anárquico — tudo isso espargido sobre peças feitas, em sua grande maioria, com vidro. Há de se pensar, ao menos num primeiro momento, que essa combinação geraria um tipo de arte inacessível, reservado somente àqueles que passaram anos pesarosos debruçados sobre livros canônicos para dominar todo e qualquer preceito teórico. Mas acredite: de inacessível e condescendente, a arte de Fredrik Nielsen não tem nada. Se é que é possível que existam rock stars no mundo das artes plásticas, o artesão do vidro sueco e o seu trabalho perambulam pelos sete mares com uma pinta digna de Bono Vox.
Um indicativo desse apelo popular é o momento que o próprio Nielsen considera como o seu devir artístico, em especial no que diz respeito ao contato com o vidro: a primeira vez que assistiu ao filme Minha Vida de Cachorro, de 1985.
Contando a história do jovem Ingemar, que vai morar com os tios em Glasriket — capital da fabricação de vidro da Suécia, cujo nome se traduz para “o reino de cristal” —, além de conquistar a admiração mundial e angariar inclusive as indicações aos Oscar de Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado, a obra de Lasse Hallström foi responsável por suscitar naquele jovem espectador um forte sentimento de empatia. Aos créditos finais, Nielsen estava ruminando não só sobre si mesmo, sua família e a pobre cadela Laika. Inaugurando uma atividade que não pararia de acontecer, estava também pensando sobre o vidro, transformado pelo filme em um símbolo de quentura e segurança, duas sensações caras a qualquer um que ainda está para completar 10 anos de idade.
A partir daí, a paixão não tirou mais o pé do acelerador e foi a cada ano ganhando mais intensidade. Em um contexto acadêmico, começou a estudar o vidro na Orrefors Glass School e, depois, na Pilchuch Glass School, nos EUA, onde também foi artista residente no Corning Museum of Glass. Mais tarde, voltou à sua terra natal para uma estadia no Royal Institute of Art de Estocolmo. Nessas idas e vindas, adquiriu uma enorme bagagem técnica e teórica, mas, em suas mãos, ela nunca se manifestou com prepotência. Na verdade, foi a partir dela que desenvolveu sua habilidade única de misturar inovação e acolhimento. “Para mim é assim: eu sei exatamente como jogar”, costuma dizer o artista. “Mas opto por não jogar do jeito que eu aprendi.”
Indo na contramão de vidrarias centenárias, como a Orrefors e a Kosta Boda, Nielsen traça anti-caminhos, transformando uma arte antiga em algo desafiadoramente contemporâneo. Predominantemente experimentais, seu trabalho desafia aquilo que é tido como perfeito. Para atingir um ar de inacabado e abraçar imperfeições, suas peças são muitas vezes revestidas com tinta de carroceria, deixadas para esfriar e depois são reaquecidas com uma tocha e coladas em outras peças. O resultado final desse procedimento é uma explosão de formas e cores, um vidro levado ao limite que nos faz repensar, ou no mínimo questionar, o que entendemos ser o papel da arte no mundo moderno. Ressoam aos berros novos significados para o termo “arte em movimento”, uma vez que as obras — que podem chegar a pesar 50kg — transmitem a mobilidade e a leveza de um organismo vivo.
Munido com uma visão que foge dos ditames da calmaria e da impecabilidade normalmente atribuídas à arte com vidro, o rock star é quem diz que o vidro é o seu “carro de corrida”, o seu “amplificador” — por isso podemos pensar em uma guerra contra a estaticidade, um combate que até então era unilateral. Para Nielsen, o vidro “é o material mais rápido do mundo para escultura” e pode, sim, ser acessível, independentemente de sua forma. Em pleno domínio dos meios dos quais pode lançar mão para atingir os seus propósitos, o sueco bebe de uma variedade de culturas populares: música, vídeos, performance, graffiti — e, com frequência, transforma o próprio processo em um espetáculo, o que ressalta os timbres de sua forte e carismática persona.
Esculturas que gritam, dançam, respiram, ora se camuflam como um louva-a-deus e ora se exibem como um pavão. Com um fazer delicado e cheio de irreverência, elas se curvam não para venerar, mas sim para criar as curvas de sinais de interrogação — e como é belo, e difícil de definir, o poder de questionar.
Jaqueta de couro, óculos escuros, cabelos com gel, carisma e, claro, muita atitude. Bono? Nada disso: Fredrik Nielsen.