Entrevista com Carina Moreschi e Marcelo Alves Pacheco
Seja como for, a nudez é tema constante em nossas vidas. Falando dela ou não. Seja quando, secretamente, em nossa maior intimidade, analisamos cada pedaço do nosso corpo, ou ainda quando crianças passamos pela terrível experiência de sonhar que estamos pelados na frente de todos os nossos amiguinhos da escola. Somos nus. Nascemos nus e morremos vestidos. Quanta ironia. Ou seria hipocrisia? Afinal, o que queremos esconder?
Procuramos ativistas do Naturismo e tiramos algumas dúvidas sobre como seria viver apenas como já somos.
Como vocês conheceram o movimento naturista?
O primeiro a conhecer o movimento naturista foi o Marcelo Pacheco, em 1996. Na ocasião, ele trabalhava nas proximidades da recém lançada, na época, Vila Naturista Colina do Sol, em Taquara/RS. Marcelo foi convidado por um amigo a ir até a Colina. A partir daquele dia, se apaixonou, e passou a ir na área com frequência, até se mudar para lá. Eu, Carina Moreschi, conheci o naturismo 2 anos mais tarde, em 1998, através de Marcelo, que trabalhava na extinta Revista Naturis (especializada em naturismo). Começamos a namorar e, a partir desta data, também fui morar na Colina e trabalhar no periódico.
Atualmente, não moramos mais na Vila Naturista. Porém, estamos intimamente ligados ao naturismo porque escolhemos este nicho de mercado para trabalhar. Somos proprietários da Brasil Naturista, empresa especializada em comunicação. Possuímos um portal na internet, o www.brasilnaturista.com, uma revista impressa, a única da América Latina, e uma loja virtual na qual os adeptos compram produtos específicos sobre a prática. Nosso trabalho é viajar e reportar tudo o que acontece nas áreas, praias e associações de naturismo mundo afora.
O que os motivou a aderir à prática naturista?
Naturismo vai muito além do simples fato de tirar a roupa. Segundo a INF-FNI (Federação Internacional de Naturismo), “Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o auto respeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente”. Esta definição exprime tudo e já é 90% dos motivos para qualquer um aderir.
É muito difícil alguém não se apaixonar pelo naturismo. Não conhecemos ninguém que tenha vivenciado e não tenha gostado. Respeitar o próximo, nos auto respeitar e cuidar da terra em que vivemos é a solução para os grandes males do mundo e para a existência dele daqui para frente. Sem contar que a nudez, aliada aos três aspectos anteriormente citados, nos despe de grandes tabus e preconceitos que possuímos por “ignorância”. E o bem-estar e saúde proporcionado por deixar o corpo inteiro respirar, então? Nem se fala…
Quais as principais características que diferenciam os naturistas dos nudistas?
Não existe diferença alguma. São sinônimos. Existe uma parcela de praticantes que permanece diferenciando os conceitos e acredita que nudismo é apenas o ato de tirar a roupa e naturismo uma filosofia de vida. Mas, segundo nossa entidade maior, a INF (Federação Internacional de Naturismo), ambas exprimem a mesma coisa.
Que tipo de mudança se constata em relação a valores e conceitos após tornar-se um naturista? O despir-se de roupas influencia no despir-se de preconceitos?
Com certeza! Existem tabus e preconceitos cultivados desde a infância que serão possivelmente alterados a partir da prática naturista. Um dos mais comuns e importantes é achar que a genitália é algo feio, proibido, e que não merece ser tratada igualmente como qualquer outra parte. Desconhecemos nosso próprio corpo por causa destas “bobagens”. As crianças são poupadas deste assunto. Crescem com inúmeras dúvidas que só serão solucionadas na prática. Outro aspecto totalmente equivocado é aliar sempre nudez a sexo. São coisas distintas! Vale destacar, também, a aceitação de nosso corpo, independente de suas imperfeições. Gordinhos, deficientes físicos, pessoas com cicatrizes e etc. também são pessoas bonitas. E o naturismo recebe todas elas de braços abertos. A mídia cria seres irreais!
Haveria uma dualidade ou uma tensão entre as opções da vida privada e as normas do convívio social? Há uma tensão entre espontaneidade e formalidade no cotidiano de vocês?
A prática naturista em nosso convívio é tratada de uma forma muito natural. Não escondemos de ninguém que somos naturistas e trabalhamos com isto. Como este assunto vem sendo abordado com frequência pelos veículos de comunicação, a população em geral já tem uma boa ideia do naturismo e entende a escolha por tal.
Não há tensão alguma entre espontaneidade e formalidade no cotidiano. Só ficamos nus onde o local possibilita isto: nas áreas destinadas à prática e em nossa casa.
O uso de vestimentas deixa as pessoas mais formais e, portanto, menos espontâneas?
Não usaria a palavra formalidade. Podemos ser formais também sem roupa. Usaria as palavras mais livres, confortáveis, mais inteiros… Espontaneidade também independe da vestimenta. Diríamos que nus somos mais nós, mais iguais um do outro, mais abertos e receptivos, menos preconceituosos…
Qual a rotina do naturista? Em que momento a prática atrapalha o cotidiano? Ou em que medida o cotidiano se adapta à prática?
A rotina do naturista é igual a qualquer outra pessoa. Fazemos tudo o que uma “sociedade” faz, só que sem roupas. A prática não atrapalha em nada o cotidiano. E sim, facilita! Podemos citar aqui, por exemplo, a redução de roupas sujas, malas de viagem mais reduzidas, caso nosso destino for uma área naturista. Sem contar na redução significativa dos gastos com a compra de roupas. Só este último item já valeria muito a pena!
Com certeza, com o passar do tempo, é o nosso cotidiano que vai se adaptando ao naturismo na medida que percebemos que fazemos coisas simplesmente porque a sociedade nos impôs, não pela praticidade, normalidade e lógica. Deve existir de nossa parte um questionamento de o porquê as coisas são assim e, se existir necessidade de alterá-las, assim a faremos.
Curiosidade: e no inverno?
Acho que esta colocação a seguir responde bem o questionamento: roupas para os naturistas são simplesmente agasalhos e usamos elas com esta finalidade. Biquínis, sungas e outras roupas são dispensáveis. Se estamos com calor, tiramos a vestimenta, se estamos com frio, as colocamos.
A maioria das áreas naturistas possuem locais para o naturismo ser praticado no inverno, também, tais como: saunas, piscinas térmicas, ofurôs, cabanas equipadas com lareiras e fogões…
Curiosidade indiscreta: se o estar nu é o convencional, como tornar a nudez sensual e erótica?
A nudez, por si só, não é sensual. Está tudo à mostra! O que é sensual é o desconhecido, é saber o que está por trás de uma roupa íntima, um biquíni, uma transparência…
O naturismo propicia um conhecimento maior de nosso corpo e das pessoas que nos rodeiam. Por isso, usamos este conhecimento nas horas certas e a nosso favor. Um olhar, um gesto, uma palavra dita é muito mais intenso do que uma eventual insinuação. E na intimidade, tudo vale! Inclusive as vestimentas, para quem necessita disto para dar uma apimentada no relacionamento.
Há alguma espécie de imaginário naturista? Ou seja, há símbolos, figuras, personagens ou temas que circulem no imaginário comum de um “grupo naturista”?
Que circulem no imaginário, acredito que não. Mas há personagens e temas reais que fazem parte do nosso mundo. Como a pioneira Luz Del Fuego, que, em 1950, já praticava naturismo no Rio de Janeiro. Temas como terapias alternativas, alimentação saudável, preservação do meio ambiente e relativos à nudez e comportamento são sempre discutidos.
O naturismo brasileiro está num bom nível de organização. Temos uma federação, a FBrN, e 30 associações e áreas filiadas à ela. Com frequência, a entidade realiza eventos nos quais aproveita-se o momento para debatermos assuntos de nosso interesse e fazermos com o que o naturismo cresça e se organize cada vez mais, atraindo mais adeptos.
Estar nu faz você se sentir mais próximo de alguma coisa? O quê?
Sim, de mim mesmo! E claro, da natureza!