Gaby Amarantos, loira-de-garrafa estonteante, dona de curvas de dar inveja à qualquer mulher hortifruta, foi recentemente coroada com o título de “a Beyoncé brasileira”. Título duvidoso, pois a trajetória das duas é bastante distinta. Beyoncé Knowles, nascida no Texas, canta desde criança, vencendo seu primeiro show de talentos com apenas sete anos de idade. Fez parte do grupo musical Girl’s Tyme, que mudou seu nome para Destiny’s Child em 1993. Mas foi apenas em 1997, quando Destiny’s Child assinou um contrato com a Columbia Records, que sua carreira deslanchou. O resto todos já conhecem.
Já Gaby trilhou um caminho diferente. Gabriela Amaral dos Santos começou na carreira de cantora com quinze anos de idade, como cantora “gospel”, na Paróquia de Santa Terezinha do Menino Jesus em Belém, onde já chamava atenção por sua voz grave. Passou a cantar com a Banda Chibantes, onde o repertório misturava pop-rock com MPB. Depois passou a cantar em bares da noite de Belém. Em 2000, Gaby caiu nas graças do brega. Logo se tornou uma estrela da música paraense ao lado de sua banda, Tecno Show. Mesmo com todo o sucesso ela grava seus discos no computador que tem no quarto. Embora seja já uma veterana no cenário musical de Belém, ela repete o mesmo processo a cada CD. Uma vez pronto o conteúdo, ela improvisa uma capa e se divulga pessoalmente em rádios, tevês e com DJs que tocam o tecnobrega. Graças ao tecnobrega, Gaby fez aparições no Fantástico, Altas Horas, Caldeirão do Huck e se apresentou junto com seus dançarinos no Domingão do Faustão.
O tecnobrega nasceu no Pará. Terra da guitarrada. Terra do Calypso. Nos anos 1970 e 1980, o brega se consolidou no Pará. Nos anos 1990, o tecno estourou mundo afora, e chegou também à Belém, onde ganhou essa roupagem toda especial e foi rebatizado de tecnobrega. Hoje é uma mistura de ritmos tradicionais do Pará, como o Carimbó, o Síria, o Lundu. Filho bastardo do brega tradicional e todas essas influências musicais e do tecno, veio ao mundo graças à tecnologia e através de uma revolução no modelo de indústria fonográfica.
O sucesso de Gaby Amarantos vem não apenas do fato de que ela se apropriou de uma música e a tornou sua. Na voz de Gaby, de Beyoncé se tornou o megahit . O fato é que o sucesso de Gaby vem de um modelo de indústria criado no Pará e único no mundo. Neste caso, os verdadeiros antropófagos são os paraenses.
Com o barateamento do custo do equipamento eletrônico, os paraenses começaram uma revolução na indústria fonográfica. Todos entendemos a trajetória de Beyoncé – ela consegui alcançar o sucesso assinando contratos com gravadoras, que lançaram seus discos para o mundo. Ganha dinheiro com os direitos autorais destas musicas. No Pará, de pouco vale um direito autoral. De fato, os artistas do tecnobrega trabalham em um mercado que depende justamente da pirataria de suas músicas. Gravadas por bandas e DJs em estúdios caseiros, que muitas vezes não passam de um computador e alguns equipamentos precários de som em um sobrado, as musicas são deliberadamente distribuídas à vendedores de rua, onde são pirateadas e redistribuídas para a população local.
Na indústria tradicional, o rádio determina o sucesso de uma música. Se tocar, pega. No tecnobrega, o gosto da população determina o que toca na radio. Os CDs e DVDs de bandas e artistas são comprados nas ruas por volta de R$5,00. Se caem no gosto da população local, são pedidos em festas. Estas festas de aparelhagem reúnem milhares de pessoas em torno de um DJ, porém a grande estrela é sempre a aparelhagem – ou o poderio dos equipamentos eletrônicos. Quanto melhores, mais barulhentos e mais tecnológicos, com direito a máquina de fumaça e show de iluminação, melhor. É nestas festas de aparelhagem que o futuro dos artistas é determinado. Será um sucesso aquele que conseguir conquistar o gosto do público, através da divulgação de sua arte em CDs e DVDs pirateados na rua. O público então clama por estas músicas. Os artistas que fazem sucesso serão chamados para participar ao vivo nessas festas, e com isso ganham cachê. Este é o ganha-pão dos tecnobregueiros. Por último, essas músicas saem do âmbito das festas de aparelhagem e chegam às rádios.
A antropofagia pressupõe um canibalismo cultural: que uma cultura se aproprie de diversos elementos de outras culturas para criar uma identidade nova, única e exclusiva. O tecnobrega se apropria de musicas já conhecidas, de Michael Jackson à Madonna, e vai além – se apropria da tecnologia para virar um modelo de indústria há muito estabelecido de pernas para o ar. A indústria funciona debaixo para cima, com o povo das periferias e bairros mais pobres de Belém criando tendências e estrelas como a Gaby Amarantos. É um mercado que criou novas formas de produção e distribuição. E que veio para ficar.