Ó Ditinha, que cheiro é esse? É meu cheiro mesmo, tal e qual, ô sinhô. Ó Ditinha, que eu fico louco. Fica, não, sinhô, que sinhá num vai gostá. Ó Ditinha, é lá de fora ou daí de dentro esse cheiro de flor que tomou chuva, de doce que acabou de fazer? É meu cheiro mesmo, tal e qual, sinhô. Ó Ditinha, que eu fico louco. Fica, não, sinhô, que sinhá vai zangá. Esse cheiro, esse cheiro, vem ligeiro, ó Ditinha. Óia meu sinhô, que eu tenho que confessá, pra arriba de tudo, aqui no cangote, botei duas gota da colônia de minha sinhá. Ó Ditinha, mas ademais do seu cheiro e do cheiro de colônia francesa, que mais que lhe deixa assim, com esse aroma meio fruta que se come, meio vento que se escolhe? Ô sinhô, que eu tenho que confessá, ainda não fui no rio me banhá, e passô por mim um português que deixô cheiro lá do mar. Ó Ditinha, que esse português cobriu suas vergonhas embaixo do meu nariz? Foi sim, sinhô, e também o meu nego Anastácio, que tem cheiro de mato, de caça e de mau trato. Ditinha, Ditinha, olha que eu lhe bato. Bate, não sinhô, que senão meu cheiro mistura com vermeio e eu sujo tudo, até pano de prato. Ditinha, esse cheiro, esse cheiro. Ô sinhô, esqueci de mencioná, tem também o índio matreiro, que gostava de brincá, e me levou na taba, na rede e na floresta pra mó de me enfeitá. Ditinha, Ditinha, esse índio safado deu de cacique em meu reinado? Foi, sim, sinhô, e também o cafuzo Rozildo que me benzeu com água de rosa e me defumô com capim santo pra mó de me perfumá. Deu no que deu, Ditinha, esse seu cheiro confuso tá melhor que a colônia de sinhá. Ô sinhô, ô sinhô, num fala assim que sinhá num vai gostá. Ande, Ditinha, vamos ali no quarto que sinhá foi comprar novidade do turco, ao pé do Jacarandá. Vô, não, sinhô, que agora tenho que misturá tudo lá no fogão e botá pra arriba de mim o cheiro preto do carvão. Ó Ditinha, deixa disso, que num instante eu boto meu cheiro na sua pele, por dentro e por fora. Vô, não, sinhô, que despois de me cafungá, a sinhá vai brigá (Ditinha é que vai apanhá). Eu tô mandando, Ditinha, não tem que-não, nem mas-quê. Ô sinhô, ô sinhô, que essa minha vida é só de dô e odô. Ó Ditinha, ó Ditinha, esse cheiro é rio e taba, fruta e doce, mato e trato, carvão e rosa. Ó Ditinha, vem comigo lá pra dentro que minha colônia é vosmecê.
Nuria Basker é uma escritora brasileira, de ascendência italiana, nome árabe-anglo-saxão e alma xavante-nagô.
Brasil colônia
por Nuria Basker