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Reflexão Iogue

por Sandro Bosco

de Fábio Gurjão

Transe tem a ver com a perda ou com a não perda da consciência? Parece mais algo impossível de descrever. Se estou em transe, não estou consciente. Então, como descrevê-lo? Não é assim que mais comumente define-se o transe? Ou esta não é a grande justificativa para não defini-lo?

Seja como for, é preciso observar e considerar mais de perto tanto as explicações alheias quanto as situações propriamente vividas, se é que você já viveu a experiência do transe. Uma vez nele, tem-se a impressão de estar fora da consciência, mas, a partir do olhar iogue, deve-se antes perguntar – o que é consciência para mim? Aquela que diz tão somente “eu sei que existo”. Esta noção da própria existência é dada a todos os seres humanos que nascem com o mínimo de saúde. Não é necessário repetir a máxima do filósofo francês, “penso, logo existo”; basta “eu existo”, pois, pensando ou não, a todo homem esta percepção é clara. Se não fosse assim, o principal medo, o da morte, não existiria.

Em sânscrito – língua em cuja fonte se encontram as centenas e centenas de escrituras do ioga –, a palavra que retrata a existência é sat e desta deriva-se satya: a verdade.

Em transe, não se tem consciência da própria existência. É algo que extrapola a normalidade, a vida cotidiana. Isto ocorre porque vivemos identificados com o que nos parece ser essa normalidade. Por exemplo, se pergunto: “Quem é você?” Você me responderá com seu nome, com o que faz, com sua profissão ou com sua relação de parentesco com alguém. Os sábios iogues nos falam que esta é a ilusão da própria noção de existência, pois esses são papéis assumidos ou escolhidos artificialmente, por força das circunstâncias.

Quando digo que sou um professor, e que me chamo João ou Maria, estou apenas dando nomes para fugir ou me distanciar de quem realmente sou. Estou simplesmente mantendo bem firme a grade da prisão de minha existência. Por que os iogues afirmam que essas funções, as quais nomeio por conveniência, são meramente casuais e, portanto, muito distantes de minha verdadeira essência? Porque temporárias, impermanentes e, pois, transitórias.

Ao longo de toda a vida o ser humano prioriza o efêmero, esquecendo-se do que é perene. Exemplifico melhor: a grande maioria dos valores do homem convencional está ligada ao corpo e à matéria, tais quais fama e dinheiro, bens passageiros, ou talvez, se preferir, permanentes enquanto durar esta vida.

Como diz o ditado, “desta vida não se leva nada que se tem ou que se possui”. No ioga, contudo, podemos assegurar: desta vida leva-se o que se é. Leva-se o quanto se pôde perceber da própria natureza. Somente em transe temos notícia da existência além do corpo físico. Será que ele serve para isso?

O transe é uma percepção temporária do quanto se consegue e se suporta sentir e experimentar a existência para além de nomes, profissões e elementos de identificação com o corpo. É algo misterioso porque excede os limites da mente. Muitos o temem pelo apego à própria existência mental.

Quanto mais identificados ao ego formos, mais estranho nos será o sentido e a experiência do transe. O ioga, porém, começa a existir no momento em que se extrapola a mente. Faz-se presente quando o sujeito faz-se presente no momento presente. É, ao mesmo tempo, o mapa e as ferramentas necessárias para se viver em um estado repleto de satisfação e deslumbramento.

Enquanto ainda não tenho pés e coração preparados o suficiente para suportar, aceitar e viver este estado maior que a vida, terei apenas instantes de êxtase – degustações de algo que excede o próprio transe.