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Missão quatorze mil

por Léo Coutinho

de Márcia de Moraes

A ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, publicou artigo na Folha de São Paulo comemorando o fenômeno mundial que aponta o crescimento do protagonismo feminino nas questões de consumo. Segundo sua excelência, “dos alimentos ao vestuário, da casa ao carro, dos bens culturais à viagem de férias, são elas que estão decidindo o presente e o futuro do consumo e, obviamente, o futuro da produção.” Como prova de que não está palpitando, oferece estatísticas de estudos recentes: de 60% a 80% das decisões de compra são tomadas por mulheres.

As palavras da preferida da presidenta Dilma Rousseff para a pasta do verde me surpreenderam não pelo excesso, mas pela magreza dos números. Se na conta entrassem as escolhas indiretas, isto é, aquelas que o homem faz na intenção da mulher, o número seria absoluto. Porque, desde que mundo é mundo, quem toma as decisões de consumo são as meninas. Ou alguém acredita que, tendo alternativa, Adão não pediria um chope no lugar da maçã? Tenho uma tia que, não contente com a última palavra na hora da compra, arbitra diariamente até sobre as roupas que vão no marido. É a minha querida Maria Amália, e, mesmo que Amélia fosse, não seria diferente, apenas dissimulada.

Alguns dias antes, no jornal concorrente, O Estado de São Paulo, o professor Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas, apresentou números estarrecedores: o carro novo desvaloriza, em média, catorze mil reais no primeiro ano. É uma assombração matemática! A média considera tanto aqueles que possuem um único automóvel, mais ou menos caro, quanto os que têm um segundo ou terceiro – esses veículos que ficam parados na garagem de quem ainda sofre de alergia às calçadas e ao transporte coletivo. Curiosa esta aflição. É como se as pessoas negassem de propósito que o avião é transporte coletivo. No dia em que o idioma inglês chegar à Miami, descobrirão que a tradução de avião é ônibus aéreo – e tudo poderá mudar.

Mas o ponto aqui é que quem quiser continuar levando prejuízo individualmente, que troque de carro todo ano, e que tenha um segundo e um terceiro modelo na garagem. O problema é o dano coletivo, o custo ambiental que a fabricação e o uso desmedido do mais cretino e egoísta dos meios de locomoção já inventados vêm causando às pessoas, tanto às que preferem o lado de fora, morrendo atropeladas ou sufocadas pela fumaça, quanto às que lhe ficam dentro, sepultadas em vida numa caixa de metal com dez vezes o seu peso, e que, no meio ambiente, tem origem suspeita e destino impossível.

Juntando o que aprendi com a ministra ao que o professor me ensinou, percebi que, para termos noção do prejuízo, a frieza do cálculo não basta. É necessária a emoção da alternativa: opções claras e diretas de onde gastar essa gaita. A partir disso, procurei cinco amigas especialistas, cada uma em seu ramo de atividade, todos muito sensíveis ao coração das meninas: arte, moda, design, celebrações e gastronomia. A pergunta que lhes propus foi direta:

Se, da mesma forma como descobrimos aqueles vinte reais esquecidos num bolso de casaco, você encontrasse catorze mil reais inesperados sobrando na conta, o que faria, onde gastaria? Recomendação importante: é para torrar.

A primeira resposta veio de Florence Antonio, marchand e colecionadora de arte: “Investiria no trabalho de um dos quatro jovens artistas brasileiros promissores de que mais gosto e que estão dentro dessa margem de preço: Marcius Galan, Marina Rheingantz, Thiago Rocha Pitta ou Tatiana Blass. Cada um tem sua especialidade – escultura, pintura, fotografia. Todos têm obras em coleções privadas e públicas, tanto no Brasil quanto no exterior. Só trocaria o termo gastar ou torrar por investir, porque, além de prazeroso, arte é um investimento”.

A arquiteta e urbanista Elisa Friedmann também não demorou para contribuir com seu sonho de consumo em design, e enviou inclusive o retrato da poltrona Cité, obra-prima de Jean Prouvé fabricada pela Vitra. O designer francês, falecido em 1984, era um industrial e executivo capaz de produzir e comercializar seu trabalho genial e abrangente, que ia de simples maçanetas a casas inteiras, de espátulas de abrir cartas à mobília. A Cité foi batizada assim porque venceu um concurso para móveis residenciais da Cidade Universitária de Nancy. Feita em aço e couro, suas semelhanças com um automóvel encerram-se no material. Até porque os automóveis se encerram, e a Cité é eterna.

Em Paris, aonde foi se pós-graduar em design e gestão de moda na IFA (International Fashion Academy), minha cunhada querida, Renata Lima, quase se perdeu quando soube que tinha catorze mil reais para gastar. Foi uma luta brava para descobrir, entre as vitrines da Cidade Luz, onde empregar o dinheiro – o que, garantiu-me a irmã dela, é absolutamente compreensível. Quando o vestido que escolheu chegar às lojas sul-americanas, é bem possível que não caiba mais na verba em função dos impostos e outros bichos – sorry, Cidade Jardim. Porém, na Chanel da Avenue Montaigne, por 8.750 euros, qualquer menina poderá encontrá-lo. O uso, contudo, já é mais restrito: à semelhança do arame farpado, a peça protege o corpo sem obstruir muito a vista. É todo transparente, bordado, com um decote em V profundo nas costas e a terminação em botões de pedras. Vai lá!

O cronista Rubem Braga, em certa missão internacional, conheceu uma Alice, que, na prática, dizia-se Hélice. De quando eu soube para cá, é assim que trato Alice Moura, my dear Hélice, que, fazendo jus à pronúncia, entrou de sola, no sentido literal e no figurado também. Ela é a inventora do Rent a Local Friend, uma espécie de cooperativa de guias de turismo descolados dispostos a levantar uma graninha passeando com pessoas que procuram um amigo da terra para não errar em viagens. Militante do próprio negócio, Hélice botaria os catorze mil num projeto de turismo local, em que cada um sairia a pé – ou de sola – para conhecer a cidade natal, o que, sabemos, é um hábito infelizmente raro. Como nem todas as meninas estão prontas para isso, entretanto, decidiu atacar de Nova York – o que, mais uma vez, é entrar de sola.

Reverenciando a estátua símbolo da cidade e do país todo, ela preferiu deixar o investimento em bilhetes e hospedagem a critério de cada um e optou por sugerir coisas muito mais caras ou, antes, valiosas, que custam nada ou muito pouco. Que tal levantar sem pressa e sair para correr à beira do rio Hudson, no Píer 25, numa das pontas do Cais Moore? Depois, um brunch simples e sofisticado no Buuby’s, em Tribeca. O que lhe parece? No meio da tarde, a proposta seria flanar pelas galerias do Soho, como Tom Jobim lembrando da Gamboa: “ai-ai-ai que coisa louca; ai, meu deus, que coisa boa”. Trata-se de um museu a céu aberto, com o creme da arte moderna, pop e contemporânea. Em seguida processar tudo tomando um refresco visual no bar do hotel Gansevoort, de onde se contempla toda Manhattan, ou bebendo alguns drinques para o espírito no telhado do Rooftop Garden Bar and Restaurant, feito um gato fujão e cheio de ideias modernas. Saudades do Brasil? Churrasco na laje do Terminal 5, ao som da melhor programação de música ao vivo da cidade. Ah, assim nego se diverte muito e gasta pouco? Hospede-se no Plaza.

E, se a proposta aqui é uma convocação pelo coletivo, por que não juntar os amigos em torno da alegria de ver sobrando catorze mil reais? Telefonei para a Janaína, do Bar da Dona Onça, e perguntei que festa a gente poderia fazer com o dinheiro. Por um desses caprichos do destino, ela – que, por princípio, não tem carro e que sempre convida para uma folia – estava imaginando uma despedida para o Jeferson Rueda, seu marido, que parte em breve para um laboratório de três meses na Espanha enquanto seu restaurante novo em São Paulo não fica pronto. “Segue o orçamento da festa para cinquenta pessoas: seis caixas de Veuve Cliquot, R$ 6.084; canapés de presunto San Danielle com figo fresco, R$ 380; coquetel de camarões, R$ 660; estrogonofe de filé com chips de batata e arroz soltinho, R$ 980; merengue de morangos, R$ 450; uma caixa de uísque oito anos, R$ 828; doze unidades de vinho tinto Amayna Pinot Noir, R$ 1.068; o meu cachê para preparar tudo fica de presente para ele e, para a verde freguesia de Amarello, ofereço a consultoria.”