#9ObsessãoCulturaLiteratura

Proteger as sensíveis mãos

por Tsuyoshi Murakami

Depois, despir-se das luvas brancas. Nota-se logo a experiência de 86 anos de vida. Habilidade e leveza. Os dedos que bailam e exibem a rica sensibilidade.

Precisão do corte no lugar certo, na hora certa. Antes, com movimentos da direita para a esquerda, foi tirando as escamas. Sinto, neste instante, como se tirasse minha própria escama… Liberdade? Lâmina que atravessa na diagonal, entre o final da cabeça, a nadadeira lateral e o corpo firme. A cabeça rola da tábua de madeira (manaita) ao buraco da pia. Sangue. Segurou o corpo. O orifício desejado voltado para os olhos; a lâmina afiada penetra-lhe cortando toda a barriga, mas sem ferir os órgãos internos. Com a própria lâmina, cortou toda a linha da aorta, junto soltando as tripas. Separou o fígado (kimo) e o esperma (shirako).

A lâmina penetra vigorosamente na carne. Rente à espinha, toca-lhe com a ponta da faca, a mesma com a qual, delicadamente, vai cortando os nervinhos. Repito o percurso do outro lado. Reservo a espinha rosada e a costelinha protetora dos órgãos.

Cabeça de ouro mereceu uma divisão. Delícia! Com a boca para cima, enfiou a lamina no lábio superior. Firme, deslizou por toda extensão da cabeça. Aberta, concluiu com um corte do lábio inferior até o final da base da boca. Reservou.

A arte do arroz para o sushi. Senti o brilho, a temperatura, o cheiro, o toque e o sabor. Fantástico é quando se juntam o nikiri shoyu (shoyu da casa), a netta (fatia do peixe) e o nama wasabi (raiz-forte fresca). Nossa! Isso só no Kinoshita!

No mercado do peixe em Tóquio (Tsukiji), Jiro, com sua brilhante personalidade e imensa credibilidade, tem a moral que faz com que os caras lhe reservem os melhores ingredientes. Para a pequena equipe que trabalha com ele, é só qualidade, qualidade, qualidade… Desde o carvão para aquecer as algas (nori), passando pelo ovo especial (tamago-yaki), pelo anago (enguias), pelo gari (gengibre)…

Colocou o noren (cortina japonesa). Significa que o local já está funcionando. Tudo listo! Serviu de entrada o shirako com ponzu (shoyu com o suco do yuzu), muito firme! Só comi assim em Hokkaido. Kimo batido na faca, comi a pele levemente cozida (neste caso, dois segundos na água fervendo; depois, em água com bastante gelo), só com sal e sudachi (parece uma bola de gude, verde e com um cheiro cítrico original).

Momento de sentir o poder do mestre Jiro, com seus produtos premium – o melhor de cada província do Japão. Sem palavras. Silêncio… Mergulhei na simplicidade e percebi o puro dentro de mim. Abri os olhos com um suimono (caldo transparente feito com as espinhas e a cabeça) na minha frente. Olho nos olhos do mestre Jiro, vejo minha imagem e sinto a sua na transparência do caldo, refletida no olho do Tai (pargo). Este é um peixe para datas especiais, para os japoneses.

Será que tenho a mesma obsessão? Que sempre tenhamos a natureza selvagem! Porque está sumindo do planeta!