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#11SilêncioArteArtes Visuais

White noise

por Silas Martí

O silêncio é branco. Do inglês white noise, é quando a imagem da televisão desaparece, e o que sobra é chuvisco indecifrável. O silêncio está atrás do barulho, filtrada a sujeira dos pontos negros que afogam a transmissão. Lá atrás está a febre, uma piscina de leite tão cega e densa quanto os lampejos brancos que chegam à superfície no meio da tempestade. Uma vez eu sonhei com soldados albinos se digladiando ali, elétricos e quietos, como se o silêncio fosse um estado constante de tensão entre pontos opostos que vez ou outra se fundem, feitos da mesma coisa. Se branco é todas as cores, o silêncio é todos os sons reduzidos ao ponto de partida primordial, um nada sacrossanto. Véu ou white noise.

Não existe som na busca pela baleia de Ahab. É uma mancha fúnebre que desliza sem abalos no fundo do mar. Ela oprime pelo destino que carrega e pelo contraste de seu corpo alvo contra a escuridão da água. Que sons, aliás, fazem as orcas assassinas? Quantas testemunhas sobraram, com um só pulmão e meio coração, para contar a história? O mar amortece todo ruído, mas o branco se adensa na forma de obsessão, nos cortes secos, na distância entre realidade e ficção. É a cor de Moby Dick e dos lençóis da cama, que mais lembra um caixão.

John Cage queria isso quando encheu seus quatro minutos e 33 segundos de silêncio com o ruído aleatório de uma plateia diante de um piano mudo. Desde que li sobre isso, penso no incômodo suspenso na sala de música como a enorme baleia de Herman Melville. É como se um aquário tomasse o lugar dos ouvintes e, dentro dele, uma baleia branca gigantesca dançasse em silêncio. Sem graça, porque a ausência de som é sepulcral.

Esse silêncio branco e maciço opera como espelho. Escrevo esse texto no avião, sobrevoando o coração da África. Tenho uma febre que não consigo medir a 36 mil pés de altitude, e fecho os olhos desconsolado. Não há escuridão. Dentro das pálpebras parece estar gravada – ou queimada – a intensidade do sol árabe que resplandece nos pátios de pedra e areia, uma cegueira só, de um branco só, onde não cabe o som. Nunca.

Esse espelho é como a paz de ver pela primeira vez um Maliévitch, mas, mais ainda, um Robert Morris. Estou falando dessas telas brancas, só brancas, que ele afixava na parede com prendedores metálicos. Eram a chave, o elo com a realidade. Morris rebate a sala vazia numa composição sem composição, num ato extremo de economia, contenção e silêncio. É como olhar nos próprios olhos vermelhos, fundo no espelho, depois de uma crise de choro. Eu disse paz? Talvez, mas não sem certa angústia. É o medo do vazio que devolve o olhar ali, uma afronta às expectativas. Não, não há nada para ver, talvez só a beleza crua dos prendedores metálicos, pecinhas que devolvem o chão.

Mas o silêncio prescinde de chão, terra firme ou coisa parecida. Walt Whitman, lá pelas tantas em suas Folhas de relva, fala dos homens nadando no lago. Tudo para no verso em que fala das barrigas dos homens, barrigas brancas estufadas sob o sol. É a pausa que mergulha as palavras de Whitman no mesmo silêncio surdo de James Joyce e os meninos, “uma miscelânea de nudez molhada”, que se atacam com toalhas – brancas – e “inchadas de água”, saindo de um banho de mar em Retrato do artista quando jovem.

Juventude carrega certa brancura. Dentes de leite, pele virgem. Eu penso na toalha encharcada, um estado em potencial, tal qual uma nuvem carregada. Sem trovão, não há tempestade. É a nudez muda do silêncio. Outro artista quando jovem também fez de suas obras uma reflexão imaculada e muda. Ascânio Maria Martins Monteiro, como lembra o crítico Paulo Herkenhoff, foi buscar nos becos da pequena Fão, onde passou a infância em Portugal, as formas de suas primeiras esculturas, todas brancas. Mais tarde, sua obra se tornaria um embate entre o construtivismo mais rígido e a fluidez das formas no espaço, um esqueleto ou espinha dorsal que não perde dinamismo no espaço. É como se a orca fosse fisgada, morta e desnudada em silêncio, exibindo entranhas só brancas, ou pérolas insuspeitadas.

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