Começou ao acaso, como de fato muitas vezes acontece. Uma viagem despretensiosa para o norte do Brasil. A história caiu no meu ouvido e me deixou curioso: Fordlândia. Sempre me senti atraído pelo cheiro da ambivalência, do desenho do encontro – intenso – entre forças opostas, pelas boas e más vontades umbilicalmente unidas e pelas consequências um tanto irregulares, convidando a curiosidade a uma reflexão e, a partir disso, à descoberta de outros destinos. Aqui, idealismo se depara com fracasso, quem sabe esperança. De acordo com alguns moradores, hoje resta um sentimento de saudade ou então, para outros, a ignorância do que existiu. Na outra ponta da história, na planície do estado de Michigan, nos Estados Unidos, questões locais refletem o mesmo saudosismo ou a preferência por não querer olhar. A alguns, entretanto, o ímpeto de reagir.
Uma cidade inteiramente construída onde nada existia, num continente estranho, para acomodar um interesse estratégico e satisfazer as vontades de um visionário que queria a todo custo ser – e foi – o motor de transformações culturais e econômicas em escala mundial, que acreditava serem as melhores possíveis para todos os envolvidos. O sonho e a persistência de fazer aterrissar uma nova ordem, um novo Estados Unidos. Por que não de um novo Brasil? Ao longo das décadas, (quase) todos os sonhos se transformaram em realidade, com tudo o que têm direito: expectativa, auge, entusiasmo; declínio, desfazimento.
“Uma cidade inteiramente construída
onde nada existia”
No meio do caminho chamei, simplesmente, de “utopia”, e por enquanto se mantém assim. Do Brasil viajei para os Estados Unidos, seguindo minha curiosidade, agora não mais tão ingênua. Deparei-me com alguns lugares, outras situações e a deliciosa sensação de perceber, além de algumas confirmações, a abertura para que novos cenários pudessem ser levantados, deixando-me paradoxalmente menos localizado do que supunha, e mais generoso em admitir, felizmente, que não sei qual o final da história.
No começo, como disse, nada tinha. Depois tive a selva; então, os carros. Agora também tenho Walt Disney! Num movimento não necessariamente coordenado, mas caprichosamente insistente, os fatos consumados e os embriões das mais incipientes ideias começaram a ricochetear de maneira intrigante, desfazendo simbolicamente a existência de fronteiras geográficas e culturais, bagunçando no fim das contas o próprio tempo. Eis que surgiu recentemente um novo local, ligado aos outros apenas por um elo formal, mas que, por enquanto, convido a fazer parte desse quebra-cabeças no qual me meti. Talvez nem venha a usá-lo. De qualquer forma, pode ser que me carregue a novas constatações.
Utopia tem sido uma tentativa de se relacionar com o sonho solitário de um homem, e não tanto uma busca por catalogar suas conquistas ou fracassos. A cidade de Detroit acaba de declarar oficialmente seu estado de falência. Há relatos de lobos retornando aos bairros mais periféricos. O mato anda crescido de maneira absolutamente selvagem. A taxa de desemprego e abandono dos prédios beirando à metade.
A Amazônia, por sua vez, sempre refratária às tentativas de controle, hoje sucumbe a ameaças que, em outras situações, conseguiu suportar. No centro da praça, a casa reformada ainda espera pela prometida visita de Henry Ford, seu criador. Ironicamente, talvez fosse mais do que desejado que essa impossível visita acontecesse agora. Ou que já tivesse acontecido há oitenta anos.
Uma das heranças do idealismo é a possibilidade de se passear pelo sonho original, e aprender com ele. A outra é encarar como algo muito distante ou até indesejado. Provavelmente com as mesmas consequências que fizeram – e fazem, em tantas instâncias contemporâneas – histórias se repetirem. Seja na forma, seja no conteúdo.