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#13Qual é o seu legado?CulturaSociedade

Por uma vida mais ordinária

por Helena Cunha Di Ciero

Tenho verdadeiro horror a quem se diz realizado. Aquela pessoa que encontramos na rua, com um sorriso plástico no rosto, e que diz: “Estou realizada.” Mas que raio de história é essa? Como é possível estar realizado e ainda assim vivo? Nutro também certo desprezo pelas capas de revistas cujas manchetes anunciam: “Fulana de Tal, realizada no amor e na carreira, celebra a vida no mar”; ou “Fulano de Tal comemora mais um ano com plenitude e sabedoria, realizado.”

Onde a gente acha isso na vida real? Onde, essa plenitude toda? Sim, pois até hoje o que tive foram momentos gostosos, mas também há a rotina, o banco, as contas, as dores, os desencontros e as diversas chatices. E agora existe um tal de glúten, que incha a barriga e que devo evitar.

Realização, no dicionário, também tem a ver com finalização. Enquanto estamos vivos, nada está assim tão sólido, tão seguro. Inevitavelmente, alguma coisa dará errada. Mas ninguém comenta. Acho isso assustador.

Já faz um tempo que a frase “a vida é dura” caiu em desuso. Parece que, na época de nossas avós, havia certa resignação com relação às dificuldades e ante o fato de que se tinha menos opções de “cura” para as possíveis cicatrizes que a vida deixa.

Hoje o que a gente vê são vastas tentativas de solucionar a dureza da vida. São remédios com a finalidade de atenuar a dor ou mascará-la. Há uma necessidade absurda e quase violenta em acelerar o processo de cicatrização das feridas: “Toma um remedinho que a tristeza vai embora”. E, em nossa pele, uma busca frenética por preenchimentos diversos, que tentam anular a passagem do tempo, apagar as rugas que testemunharam o amadurecimento. Nada pode ser revelado: envelhecer é sinal de fracasso.

Somos marcados pela urgência em aplacar as experiências que incomodam. Resolver, disfarçar. Talvez a fim de voltar a ser mais rapidamente produtivo e prontamente alimentar a voracidade do sistema capitalista. Se produzo, logo estou adaptado, causo menos rupturas nesse mundo mascarado de gente que funciona. Será?

Surge, inevitavelmente, uma nova lacuna: a da negação. Tudo que foi difícil, que ficou marcado, pode e deve ser mandado para baixo do tapete. Rápido. Quem sabe assim passe despercebido. Quem sabe assim nem eu mesma me lembre do que vivi. Qual será o preço que pagaremos por toda essa fuga? Ou seria covardia?

Hoje, a palavra da vez é pressa. Para tirar uma foto sorrindo: do prato que comi, do lugar que visitei, dos amigos que encontrei. Parece-me que é preciso que alguém valide minha experiência agradável a fim de comprovar que existiu. Se eu estava lá, nem sei. Mas tive 25 curtidas, o que deve ser um sinal de que, naquela hora, fui feliz.

A felicidade não deve ser vista como um objetivo a ser alcançado e sim como um momento, que nunca é duradouro. É nesse peso todo que mora a encrenca, na necessidade de garantir a durabilidade desse sentimento.

Nessa eterna busca, empobrecemos todo o resto do trajeto. E isso acaba sendo de uma tristeza absurda, pois não é possível viver uma vida de verdade tendo sido só feliz. Não há uma escolha com relação às dificuldades. Elas se colocam, sem pedir licença.

Quando pudermos assumir com tranquilidade que nossa identidade é formada também pelas imperfeições; quando finalmente deixarmos de ficar reféns apenas do pensar positivo ou do sorriso artificial; ou quando lembrarmos que rir de tudo pode, sim, ser sinal de desespero… talvez encontremos um verdadeiro alívio: o de ser quem somos, podendo não viver como atores, em busca de aplausos ou curtidas.

Ser verdadeiro, ser genuíno é sentir tudo que um coração vivo for capaz, em toda sua dimensão. Tanto o bom, quanto o ruim. Tudo isso nos enche de vivência, de experiência e, principalmente, de coragem para saber que podemos contar conosco para ir adiante.

Acho que a questão, vista de longe, pode até ficar confundida com certo conformismo, mas, na verdade, falo de resignação como uma possibilidade de contemplação daquilo que passamos ao longo do caminho. Contemplar é ver a figura como um todo. E a vida é dura mesmo, já diziam nossas avós.

É inútil pensar que dá para construir uma história sem tristeza, rugas, noites em claro e ressaca moral. Tudo isso somado cria uma experiência individual e singular. Viver se enchendo de lacunas é viver esburacado. E isso sim nada tem de realizado.

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