Cena dois. Você está percorrendo a Tate Modern (mas também poderia ser o MoMA ou o Stedelijk Museum) com a disposição e a boa vontade necessárias para tudo ver e tudo experimentar em matéria de arte, quando depara-se com a obra do italiano Piero Manzoni. Trata-se de uma latinha de alumínio (48 x 65 x 65 mm) embalada por um papel impresso com os dizeres: Merda d’Artista (título da obra), além da quantidade (30 gramas) e de uma breve apologia (algo como “fresquinha”). O conteúdo, bem, em que pese alguma controvérsia, parece ser evidente.
Opor esses dois cenários assim, sem mais, para demonstrar que a arte contemporânea abandonou de todo uma qualidade que sempre a acompanhou – a aspiração ao belo – parece forçado. É, sem dúvidas, simplista. Mas será tal oposição falsa? Parece que não de todo, e é nesse sentido, embora sem o simplismo de meus exemplos, que o filósofo e escritor britânico Roger Scruton argumenta em seu livro Beauty. Fino em suas análises, menos belicoso do que em outros fronts de atuação do autor, o livro depende, em boa medida, de uma premissa verdadeiramente milenar: a beleza sempre foi vista como um valor, de importância tão central quanto, por exemplo, o verdadeiro e o bom – aquilo que os medievais chamaram de “transcendental”.
Que essa ideia seja herança de nossa matriz civilizatória – a Grécia clássica – não parece questão de disputa: já Plotino, filósofo da antiguidade tardia, concebia o ser, o verdadeiro, o belo e o bom a título de propriedades do divino. Mas, se é para falar em matriz, Platão é nosso nome inescapável. E é em seu célebre Banquete que encontramos aquela soberba exaltação de uma forma de amor (Eros) cujo objeto não é outro que a própria Ideia ou Forma do Belo – não este corpo ou objeto belo, não este belo perecível, relativo, circunstancial, mas o Belo em si, objeto último de um desejo que apenas começaria pelas coisas belas do mundo do aqui e do agora para realizar-se plenamente no conhecimento transcendente – divino – daquele Belo eterno e imutável.
Seria essa concepção de Beleza aquilo mesmo que está em falta à arte de nosso tempo, afastando-a do prazer elevado da contemplação apropriada e do mais pleno sentido de transcendência que, em outros tempos, teria definido o que julgávamos ser a arte em suas formas mais perfeitas? A resposta de Scruton é afirmativa, e nisso não está sozinho (o genial George Steiner o acompanha aqui), o que talvez nos deixe em maus, péssimos lençóis: não bastasse a solidão metafísica de um mundo sem Deus, também estaríamos irremediavelmente aprisionados em um mundo sem Beleza?
A beleza que nos faltava
por Eduardo Wolf