Na capa: Manuela Costa Lima
Folhinhas de calendários sempre me encantaram. Tanto como objeto, por sua pequena escala, que cabe na palma da mão, seu grampo metálico que reúne todas aquelas folhas de papel-jornal e seu caráter corriqueiro e popular, mas também por sua carga simbólica, pela maneira que nos permite realizar fisicamente a passagem do tempo no ato de destacar do todo, dia a dia, mais uma página.
Parti desse objeto porque desejava fazer um trabalho que falasse do tempo, mas, ao me deparar com seu conteúdo — eram folhinhas do Sagrado Coração de Jesus —, acabei enveredando por outro caminho. Feitas pela Ordem Franciscana, as folhinhas traziam, em cada página equivalente ao dia do ano, uma citação bíblica, uma frase de um santo, um escritor ou uma personalidade que marcou a história. Além disso, elas informavam a fase lunar, o início de cada estação e as hortaliças para se plantar ou colher, traziam anedotas, indicações de leitura, orações.
Esse apanhado de informações corriqueiras ao lado de coisas sagradas resume muito do que tenho produzido recentemente. Religiosa que sou, me sensibiliza muito a manifestação divina no ordinário. Busco, com muitos de meus trabalhos, apenas revelar ou enfatizar essa presença invisível.
As Folhinhas remetem aos ícones bizantinos. Com planos de cor recubro frases ou informações que me chamam a atenção. O dourado envolve o restante, como a luz divina nos ícones. Deixo, por vezes, apenas uma ou poucas palavras que dão pista do que está ali velado. A composição entre algumas dessas peças cria uma espécie de poema visual, em que forma e cor são pretextos para que, silenciosamente, adentremos essa dimensão sagrada no cotidiano.