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Café, água e bolacha: Teo Vilela

por Revista Amarello

Você nasceu em Araçatuba. Me conte um pouco sobre como veio parar em São Paulo.

Eu me formei em Direito e vim a São Paulo para trabalhar. Trabalhei com direito por um período muito curto, dois, três anos, e nesse período já estava superinsatisfeito com o que fazia, porque não gostava, e só fazia por uma obrigação familiar. Nunca fui de ficar parado, e, como sempre gostei de decoração, de arrumar a casa, deixar a casa mais bonita – não com um projeto novo, mas com o que tinha mesmo, com o que já existia –, resolvi fazer um curso de decoração. Comecei a fazer uma graduação na Belas Artes – era a primeira faculdade com curso de Design de Interiores que existia no Brasil –, mas aí, por falta de paciência minha, um professor me sugeriu mudar para um curso livre no SENAC, que era bem mais curto, e com certeza eu iria chegar também aos meus objetivos. Como já havia cursado quase um ano na Belas Artes, fiz o curso do SENAC em um ano, e já comecei a trabalhar nesse período na Tok&Stok, no final de semana. Durante a semana ainda trabalhava num escritório de advocacia. Teve todo um processo, porque minha família não queria muito que eu fizesse outra coisa além do direito, mas resolvi mesmo que não era o que queria e decidi correr atrás do que gostava. Nessa época, conheci uma senhora que trabalhava com antiguidade; ela comprava e vendia peças informalmente, e comecei a me envolver com isso e fazer também compra e venda informal de antiguidades.

E isso foi quando, mais ou menos?

Em 2001, me associei à Associação dos Antiquários de São Paulo. E, logo depois, já comecei a fazer as feirinhas de antiguidade, a comprar e vender – comprava para vender nos finais de semana na feirinha, tanto a da Benedito Calixto, no sábado, como a do MASP, no domingo.

Não sabia dessa sua passagem nas feirinhas.

Sim, durante a semana entrava no D&D às dez horas da manhã. Antes disso, acordava às seis e ia a vários pontos estratégicos onde conseguia garimpar coisas; Família Muda-se, etc. Mudei meu horário de trabalho para conseguir fazer todo o garimpo na parte da manhã e trabalhar à tarde. Mas passou um tempo, e a coisa do empreendedor, que sempre tive muito forte, falou mais alto, e não dava mais para ficar trabalhando exaustivamente durante a semana, e no final de semana também trabalhar nas feirinhas. Foi aí que comecei a perceber que o meu próprio trabalho estava dando mais lucro que meu emprego fixo, e que poderia me dedicar a ele durante a semana também.

Então, em 2004, fui passar um período em Londres, e foi lá que comecei a reparar que o mobiliário brasileiro já estava sendo muito comentado, e que os antiquários já estavam meio que abandonando a parte clássica e entrando em um período modernista.

Você voltou em 2005 para abrir a loja?

Voltei já com o intuito de abrir a loja. Como tinha ficado um ano de folga, tinha que trabalhar de novo, e acabei abrindo-a em novembro de 2007. Mas, até 2011, continuei fazendo as feirinhas de fim de semana, para pagar as contas.

E qual é a peça mais procurada na loja?

O que as pessoas mais compram são poltronas. Acho que é um detalhe importante e que dá um charme diferente na casa. É um lugar que você chega, senta, descansa, você vai ler ou vai bater papo… Então, acho que é uma das principais coisas que você vende.

E para você, qual é seu objeto de desejo?

Eu olho sempre tudo, gosto de tudo. Quando entro em um lugar, faço um raio-x de tudo que existe ao meu redor. É impressionante. Às vezes fico até sem graça, porque é instintivo. Olho do rodapé ao teto. Sou preocupado com uma linguagem, sei identificar o que não está feito direito ou que foi totalmente alterado. Quando fazemos um restauro, uma tapeçaria nova, tento deixar a peça o mais próximo da originalidade possível. Então, isso me chama muito a atenção. Está vendo aquela poltrona? (Aponta para uma poltrona perto de onde estávamos sentados). É uma Zalszupin forrada com tecido de nuvem. Como uma pessoa chegou em algum momento e resolveu colocar um tecidinho de nuvem em uma poltrona feita de couro há sessenta anos?

Excelente!

É muito doido isso, são modismos que passam. Oitenta por cento dos móveis que compro já sofreram algum tipo de intervenção.

Então existe um trabalho de pesquisa imenso?

Sim, e o material didático praticamente não existe. Quando vou comprar algo, de uma pessoa, por exemplo, fico batendo papo com a senhorinha, com o senhorzinho um tempão para pegar alguma informação nova, porque essas coisas não existem! A pesquisa é muito grande. Você vai procurar uma revista, às vezes, da época, uma Casa e Jardim, que existe há mais de cinquenta anos, a Casa Cláudia, ou então busco uma revista estrangeira mesmo. Existem fábricas aqui da década de 1920 que já faziam mobiliário moderno, mas pouca gente fala disso. Quando começaram a falar aqui no Brasil, o principal era o Warchavchik, que veio para cá nos anos vinte com a família, mas deve ter começado a trabalhar na década de 1940. O primeiro dado de que falam é que o Warchavchik começou a fazer o móvel modernista para combinar um pouco com a arquitetura que estava sendo feita na época. Mas Niemeyer também, Sérgio Rodrigues, Lúcio Costa, todos eles fizeram um pouco de mobiliário para acompanhar a arquitetura que faziam.

Mas, se Warchavchik começou a produzir nos anos 40, quem são essas pessoas dos anos vinte de que você falou?

Móveis Cimo, que era uma loja em Lageado, no Paraná, e já era uma fábrica da década de 1920. Essa fábrica funcionou por muitos anos, e é muito difícil encontrar um dado a respeito do design, de quem desenhou. Eles fizeram muitos móveis – não era um móvel superfino, mas teve uma inserção no mercado muito grande.

Como você formou sua equipe?

Está cada vez mais raro encontrar essa mão de obra. Antigamente era um ofício, as pessoas estudavam no Liceu de Artes e Ofícios para se tornar marceneiros. Um deles trabalha na parte de estofamento há mais de trinta anos, e o outro deve trabalhar com isso há quase trinta anos também. São pessoas que, com o tempo, vão absorvendo essas técnicas no trabalho de pai para filho. Eu me lembro que, lá atrás, quando fiz o curso de decoração e ainda nem sabia que iria trabalhar com o que trabalho, fomos visitar uma marcenaria, aqui perto de São Paulo, com a Etel Carmona (proprietária da Etel Interiores). Na época, ela havia pego grande parte do pessoal do Liceu de Artes e Ofícios e levado para trabalhar com ela. Me chamou muita a atenção, era um trabalho superartesanal, um trabalho de amor.

Tem um tapeceiro meu, baiano, que é muito cuidadoso. Ele pega o tecido e fala: “Ah, não, esse tecido é muito mole, vai acontecer isso e isso, tudo bem? Quero que você saiba.” “Esse tecido é muito duro, vai acontecer isso, porque a curva…” É uma pessoa que pega um móvel e não olha simplesmente como uma coisa que tem que cobrir de tecido. Olha com carinho, como um médico vai olhar para um paciente. Porque, muitas vezes, para essas pessoas mais antigas, a capacitação fazia parte do processo. Ele falou que trabalhou dois anos numa tapeçaria que até hoje é considerada uma das melhores de São Paulo, como assistente na mesa. Após dois anos, se fosse capacitado, aí poderia assumir outra posição. É demorado, toma tempo. Existem tapeçarias em cada esquina, restaurador de móvel em toda esquina, mas a pessoa às vezes não está preocupada com o que no móvel precisa ser feito, e faz de qualquer jeito, coloca um prego em um móvel que foi todo construído, colado e encaixado. É muito complexo, e de repente você detona, porque espana, estraga, muda a estética.

Sempre procurei saber pesquisando, perguntando. Às vezes você tem que trocar uma folha de uma madeira de um móvel, mas essa madeira não existe mais. Então às vezes você tem que comprar um móvel que está totalmente danificado, ou você procura o resto de uma peça, que foi abandonada em algum lugar, para poder restaurar.

Como você acha que o local de trabalho influencia a sua produção?

Ter espaço é essencial, porque consigo manusear com facilidade, e ver as peças de diversos ângulos. A minha área de trabalho sempre foi muito mais cheia, funcionava como depósito e restauro. Antes era tudo junto. Agora, com as áreas separadas, a produção fica melhor. Conseguimos ver melhor os defeitos, temos mais tempo para cuidar dos móveis e prepará-los bem para o mercado novamente.

Existe algum projeto específico pelo qual você tenha mais carinho?

Existe. Recentemente comprei uns móveis de uma senhora judia que sempre foi supercuidadosa com as peças. Ela encomendou um projeto de mobiliário do Tenreiro, em 1969, 70. Ela tinha um amor tão grande, sabia de toda a história. Foi muito legal bater papo com ela porque ela contou da negociação, contou de como foi feito o processo, como ele desenhou os móveis. Ela não estava interessada só em vender. Estava preocupada com o destino daqueles móveis. Eram peças de 46 anos, que nunca tinham sido mexidas. Comprei a casa toda.

Era tudo de jacarandá?

Tudo de jacarandá! Você vê o peso desse sofá? (Mostra o sofá em que estamos sentados). Está vendo? Tudo maciço, e tudo torneado. Imagina quantas árvores usaram para fazer isso, não existe mais.

Que coisa linda a estrutura dele por dentro.

É uma preciosidade. O trabalho do Tenreiro é um trabalho que não existe. É trabalho feito por artesões, trabalhos artesanais de séculos. No caso dele, a geração do pai dele era de marceneiros, o avô dele era marceneiro. É uma coisa que você vê a construção, o jeito, é tudo muito bem pensado. Ele não fazia o móvel só pela beleza. Fazia pelo conforto. O móvel dele é, muitas vezes, muito delicado também, mas, por exemplo, as cadeiras dela, ela soube cuidar muito bem, e estavam todas intactas. É lógico, um verniz está feio, ou outra coisa. Mas é coisa simples de corrigir. Acredito que o móvel do Tenreiro é o móvel brasileiro mais inspirador. O móvel mais bonito.

Teo, existe alguma peça de desejo que você procura e até hoje não encontrou?

Existe. A cadeira de três pés do Tenreiro. Essa eu gostaria de ter para mim, que é um móvel raro, feito numa edição superlimitada. Desde que comecei aqui, já chegaram pelo menos umas três na minha mão, mas vieram réplicas, não as originais.

Falando dessa questão da réplica, que é uma boa discussão – que, por um lado, democratiza a possibilidade de pessoas poderem ter…

Mas, quando falo da réplica, é quando alguém produz dizendo que é original, e não uma releitura.

Existem pessoas que acabam extraindo um jacarandá (jacarandá está em extinção, e não pode ser mais usado para fins comerciais) que existe por aí ainda, ou uma madeira muito similar ao jacarandá, e produzem móveis dizendo que são originais. Inclusive, recentemente, um artista plástico comprou as cadeiras e eu falei: “Essas cadeiras já vieram para mim, e não são originais. Não tenho por que te falar que é original, não estou querendo acabar com o seu tesão pelas peças”. Mas existe uma turma aí, de bons marceneiros, que está fazendo para ganhar dinheiro.

É porque uma coisa é réplica, né?

É, e uma outra coisa é uma releitura. Eu acho que a releitura faz parte. Acho que é bacana que o trabalho de um designer, depois de ter caído no esquecimento por décadas, volte à tona, como foi o caso do Sério Rodrigues e do Zalszupin, que ainda está vivo. O Sérgio Rodrigues teve altos e baixos enormes na vida dele. Uma pessoa que ficou durante um bom tempo sem nada. E uma pessoa que sempre foi supercriativa, premiada, mas de repente é esquecida. Acho que democratizar o design é importante, mas uma coisa que eles não vão conseguir é a qualidade. Incentivar esse mercado paralelo de madeiras que não existem mais também, porque é totalmente insustentável. A madeira certificada brasileira, que é plantada para produzir a madeira maciça boa, praticamente 90% vai para fora do Brasil. E é um processo que é tão caro que a indústria nacional não consegue absorver. Os lotes bons, as melhores pranchas de jacarandá, iam para a Escandinávia, não para cá.

Você troca bastante as coisas da sua casa?

Moro num apartamento que é dos anos 60, e que até hoje não reformei. Ele está com as paredes originais, as tomadas originais. Tenho que fazer uma reforma nele, mas fico um pouco tenso de ver essas mudanças muito grandes, fico um pouco preocupado. Mas tudo tem uma evolução.

E quais seriam as suas maiores fontes de inspiração?

Acho que a minha família é uma das minhas maiores fontes de inspiração. Tanto meu pai como minha mãe foram pessoas que trabalharam a vida inteira, sempre gostaram do que faziam, e ficaram orgulhosos do que me tornei independente do que tivessem traçado na cabeça deles.

Sempre gostei muito de antiguidade, isso veio muito da minha mãe, ela gostava muito. Lembro que em Araçatuba tinha uma mulher chamada Tereza Cacarecos e que minha mãe adorava ir na tal da Tereza Cacarecos. Era uma mulher que juntava coisas, ia nas fazendas lindas de Minas Gerais, comprava tudo, e empilhava tudo na casa dela – parecia com isso aqui que vocês estão vendo. (Aponta para o galpão de centenas de móveis que ainda serão restaurados). Era uma diversão ir até lá, nem que fosse para tomar um café com aquela senhora. No dia em que minha mãe falava que iríamos lá, ficava sentado na cadeira esperando ansiosamente. Minha mãe sempre gostou muito de reciclar coisas – sempre foi preocupada em reutilizar coisas que talvez já não tivessem mais uso, não jogava nada fora. Venho pensando muito nisso. Talvez o meu gosto venha muito daí. Acho que o design, de uma maneira geral, me inspira.