Ócio criativo sem limites
Alguns anos atrás, durante nossa lua de mel, eu e minha mulher fomos a um show de música country incomum em Los Angeles. O cantor pigarreou e pediu desculpas no início, dizendo que só cantava em raras oportunidades, quando estava de folga entre seus trabalhos, e que a música era uma profissão de fé; ele fazia por amor mesmo. Pudera, a 25 dólares o ingresso, o show definitivamente não deixaria Jeff rico. Sim, Jeff Bridges tem um lindo hobby, a música. O ator oscarizado canta e performa muito bem, por sinal.
Para muitos atores, a pausa entre trabalhos normalmente é dedicada a atrações em teatro, séries, publicidade ou ao puro e necessário ócio. Alguns, porém, preferem desenvolver o que meu mais novo ídolo de infância Jeff descreveu como “uma profissão de amor”, em que podem expressar-se através das mais variadas formas.
No final dos anos 1960, o mundo das corridas automotivas ficou boquiaberto quando o jovem e talentoso ator Steve McQueen começou a pilotar, mas pilotar mesmo. E não eram apenas carros. Esnobava seus pares também em corridas de motos. Ele quase afundou sua carreira no cinema quando confundiu as bolas e resolveu coproduzir uma aventura cinematográfica caríssima sobre o que significava uma corrida. O filme Le Mans é incrível, por sinal.
Ao longo dos anos, outras estrelas seguiriam seus passos: Paul Newman, Patrick Dempsey e Eric Bana, por exemplo. Apesar das críticas, eles mostraram que estavam nas pistas porque eram verdadeiros corredores, além de ótimos atores.
O fascínio das pistas não foi o único hobby estranho a que atores se dedicaram. Temos ainda o sapateiro artesanal obcecado pela qualidade final de suas peças, feitas no norte da Itália, Daniel Day-Lewis; o pintor mediano Jim Carrey; o boxeador Mickey Rourke; o piloto de jato John Travolta; os músicos Johnny Depp, Kevin Bacon, Hugh Laurie, Liza Minnelli, Lucille Ball, Barbra Streisand, Jared Leto, Kris Kristofferson, e Jennifer Lopes; e, ainda, o carpinteiro Harrison Ford.
No Brasil, alguns atores também revelaram seus dotes em outras áreas, tais como os cantores Maurício Mattar, Alexandre Nero, Wagner Moura, Marjorie Estiano, Hebe Camargo e o romântico Fábio Júnior.
A lista é longa, e a grande maioria leva muito a sério suas carreiras paralelas tocadas nos momentos de ócio. Artistas são multifacetados por natureza e desenvolvem carreiras sólidas concomitantes a hobbies que, associados ao que é público, os definem.
O ócio muitas vezes é assimilado como um momento em que nos espreguiçamos e curtimos o dolce far niente, e, quando desenvolvemos hobbies, normalmente os guardamos para nós mesmos ou para a família e os amigos próximos. Esses artistas, contudo, não precisam provar nada a ninguém. Eles performam em público pelo prazer de dividir essa paixão com outras pessoas. Claro, pode-se ganhar um bom trocado com isso, mas creio que, em geral, dinheiro não seja a motivação principal.
Algumas vezes, o que se faz em momentos de pausa beira o inacreditável. Nos anos 1940, uma atriz austríaca debutava em Hollywood. Sua carreira no cinema e no teatro foi, no máximo, discreta. Mas, apesar disso, devemos reverenciá-la todos os dias. Hedy Lamarr era (além de lindíssima) uma inventora de mão cheia. Ela e o compositor George Antheil patentearam, em 1942, o “Sistema de Comunicação Secreto”, que visava mudar simultaneamente as frequências de rádio para impedir que os inimigos conseguissem detectar as mensagens de acionamento de torpedos aliados. Com a evolução dos transístores e chips, suas ideias foram aplicadas a diversos usos, e não apenas militares, mas também à futura telefonia celular. Sim, o Wi-Fi e o Bluetooth existem, em grande parte, graças ao hobby da estonteante atriz de Sansão e Dalila.
Bom, se em tempos de mídia invasiva, paparazzi e redes sociais, você ainda acha que viu e sabe de tudo sobre alguém, reflita sobre o que meu chapa Jeff cantou em “Falling Short”, de 2011:
“We’d all like to think that we gave our best
But you’ll have to learn like all the rest
Until you seen it all, you ain’t seen nothing yet
You ain’t seen nothing yet
No, you ain’t seen nothing yet.”