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A Mão no Brasil: O tear rústico de Malhada Grande

por Juliana Ronchesel



A Mão no Brasil é uma série de reportagens originais, produzida para apresentar e valorizar histórias da manufatura e do trabalho artesanal brasileiro.

Desde os meus primeiros mergulhos no estudo de tecelagem, o que me encanta mesmo são as histórias contadas através das tramas. Por isso, quando Guto Carvalhoneto me contou sobre um grupo de mulheres tecelãs no qual há alguns anos ele abriga o projeto re.fluir*, em uma comunidade chamada Malhada Grande, no sertão da Bahia, fui logo arrumando as malas e segui.

Na estrada para Malhada, que pertence ao município de Paulo Afonso, avista-se o Rio São Francisco e de pronto sente-se o vento da caatinga alcançando. Aqui já dá para imaginar a grandeza que é esse lugar.

Chegando lá, percebe-se que em cada canto há um aprendizado, tudo ao redor convida aos pormenores. Dona São Pedro, Dona Dó, Dona Fernandina, Alice, Aline, Leia e tantas outras são mulheres seguidoras de toda uma trajetória de uma cidade onde tudo é calmaria e aconchego. É ancestralidade aos montes, da bisavó às avós, da mãe às tias, da vizinha à passante. É artesania que atravessa, do urdume aos tapetes, das tramas às redes. Dá para sentir que tecer ali é um ato de bravura. Uma maneira concreta de fortalecer a cultura local e o saber vivo das mulheres da região que, infelizmente, aos poucos, está se extinguindo com o avanço da tecnologia têxtil.

Dona São Pedro e o tear manual de Malhada Grande

Dona São Pedro, a matriarca da cidade, fez 94 anos naquele ano, era junho de 2019. Esse é o nome real que está em sua certidão de nascimento e que ficou com ela quase como uma permissão divina para reger com maestria toda sua comunidade. Ela conta que foi sua tia quem fundou os teares há mais de cem anos. O tear centenário segue ali, firme e forte, em uso. Conversando com ela, no dia de sua festança, eu era só admiração. Com ela senti amor, daquele que atravessa. Também senti uma vontade imensa em compartilhar tamanha sabedoria. Aprender com ela como trazer vida às linhas: “Sei que depois desse trabalho [os teares] nunca mais faltou dinheiro pra ninguém. Muito não, né. Mas cada qual aprendeu.”

Ouvir a voz doce de Dona Maria José, conhecida na comunidade como Dó, é se deliciar na sua maestria de pessoa que é amor por inteiro. Se eu pudesse, ficaria horas a fio de conversa com Dó. Costureira e tecelã desde os 7 anos de idade, o que não falta é causo e conhecimento de fios e meada. Nela encontrei uma voz de aconchego de quem vive para o que ama.

Nos dias de hoje, Aline é a tecelã mais nova ali, com seus 40 anos de idade, também rendeira e tece com toda sua bondade desde os 10 anos. É forrozeira de pé leve e sorriso contagiante. Ela e Dona Fernandina são as grandes tecelãs à frente da Associação. Tecem com tamanha perfeição e vigor que é de hipnotizar-se a cada manejo, em teares nos quais só se tece em dupla. Cada qual faz uma parte e, depois, dançam em conjunto. Lindo de ver.

Alice é daquelas que acalanta com umbuzada pela manhã e pede para o filho deixar um bolinho caseiro na entrada. É ela quem administra a Associação em seus horários vagos entre o trabalho no posto de saúde da cidade e os afazeres de casa. Conta que teme pelo que pode acontecer daqui para frente, pois, desde que fizeram a estrada nova, o movimento diminuiu bastante. A grande venda da artesania, além das feiras, é para os navegantes que cruzam pela estrada que corta a comunidade de ponta a ponta. Hoje, quase nunca se vê um carro forasteiro por ali.

Poderia me perder e escrever cada detalhe de cada uma das tecelãs que conheci e que atravessou aqui no peito, mas digo que, para conhecer mesmo, é uma tarefa de demorar-se por lá que vale cada escuta. Daqui de onde escrevo, imersa, respiro as lembranças dos cafés coados, com o sabor da umbuzada trazida toda manhã e o cheiro do bolo caseiro feito para a prosa do final da tarde, dos pés na terra úmida, das aventuras nas pedras rupestres e das confissões de um cotidiano tão sagrado, com elas deitadas em roda no chão gelado do salão de entrada, para refrescar.

A Associação é de mulheres que sorriem para os dali e os de longe. Para os desconhecidos e os de pertinho. Ali, transborda o poder matriarcal que mora junto a todas essas mulheres imensas. Entendi que a mulher no sertão quer mesmo é ser livre; afinal, força e amor elas têm aos montes.

Lá, senti que mergulhar no universo dessas tecelãs é criar um encontro com o sensível, é perceber seu ofício com seu verdadeiro valor – o valor de arte e da artesania. É conhecimento de repasse. O entrelaçado de fios pelas mãos delas se desloca além dos espaços físicos. É um estado de espírito em busca de troca, expansão e continuidade. É comunidade.

*re.fluir é um projeto idealizado por Guto Carvalhoneto, artista e estilista baiano radicado no Rio de Janeiro, com o intuito de ressignificar suas origens. O projeto deseja ampliar o repertório e o olhar de quem tem o mundo restrito em sua realidade árida e perdeu o brilho no convívio diário com seu ofício. Visa valorizar os saberes das tecelãs, tornando-as mentoras e educadoras de sua própria artesania. A experiência cultural imersiva permite reinvestir na comunidade local, proporcionando benefícios socioeconômicos e programas educacionais.

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