#42ÁguaEditorial

Amarello Água — número 42

A Amarello Água nasce inspirada pela cosmogonia babilônica, ecoando tradições gregas e hebraicas, que entendem a água como nosso primeiro deus. Uma jornada pelo mundo líquido que nos cerca, da abundância à escassez, com Patrícia Furtado como editora convidada e capa de Pedro Perdigão.

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Desde pequeno escuto minha mãe me contar da dificuldade que foi conseguir lavar minha cabeça quando recém-nascido. Ela dizia que eu parecia ter nascido com pavor de água, afirmação que tendia a se confirmava toda vez que a água escorria pelo meu rosto.

Aos poucos percebi que — seja no mar, no rio ou na piscina — eu facilmente banharia meu corpo, mas demoraria a mergulhar. Poderia até mesmo passar horas dentro da água sem jamais molhar a cabeça.

Uma amiga me contou certa vez que, quando sua mãe estava grávida, a bolsa rompeu e ela engoliu o líquido amniótico. Esse líquido é o fluido que envolve o bebê durante a gestação. Como a maior parte do líquido é composto de água, a bolsa também é conhecida como bolsa das águas. Não sei se esse pode ter sido o meu caso, mas, assim como ela, suspeito que meu trauma da água tem raízes profundas.

Quando me mudei para o Rio de Janeiro e passei a nadar no mar, notei que algo me afligia quando submerso, dando braçadas no sentido Niterói ou Forte de Copacabana. Em um dia de mar límpido, percebi uma tartaruga debaixo do meu corpo. Assim que a vi, lembrei da conversa que tive com minha mãe há anos, e entendi que eu estava resolvendo ali uma questão primordial em minha vida: enfrentar o medo da água, do que está por baixo, do escuro, do desconhecido e do incômodo.

O corpo humano é composto 70% de água. A superfície da Terra é coberta 70% por água. As águas do Nilo estão no Tietê, assim como as do Tâmisa estão no Ganges. Rodeados pelo mesmo líquido, da bolsa amniótica aos mares e oceanos, existe uma sintonia entre a alma humana e a água que nos interliga enquanto espécie.

Ao nadar no mar, descobri que a água é o elemento que liga meu coração ao planeta em que vivemos. Fazemos parte de um ecossistema único, mágico, raro e líquido — um ecossistema que precisamos aprender a observar, amar e preservar como sinal de amor à vida.