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#3MedoCulturaSociedade

“Coragem é medo administrado. Falta de medo é burrice.”

por Léo Coutinho

O editor da Amarello me pediu para preparar, além da crônica política, algo sobre o medo, e sugeriu que eu tentasse conversar com um presidiário a fim de descobrir seus medos, inclusive os que ele transmite para a sociedade. O formato estava indefinido, e acho que ainda está. Aliás, tudo estava aberto para mudanças, e a proposta original sofreu metamorfoses diversas até chegar nesta história que vou contar para o leitor.

A partir da ligação que fazemos entre um detento e o crime, imaginei qual seria o pior deles, o mais hediondo, mais covarde e com o efeito mais temido por cada um de nós, e obviamente encontrei o sequestro. Para mim – e acredito que para todo mundo – o medo está no desconhecido, no receio do que está por vir. Um assalto, ou mesmo um assassinato, tendem a acontecer depressa, transformando a sensação da vítima ou das testemunhas num susto. Um sequestro, mesmo que seja relâmpago, vai durar tempo suficiente para apavorar a vítima, e se virar uma noite, que seja, vai aterrorizar familiares e amigos.

Assim entendendo que o medo é muito mais da vítima, decidi procurar conversar com pelo menos uma pessoa que já tivesse passado pelo trauma, e fui bem recebido por Celio de Melo Almada Neto, o Celito, que foi sequestrado há mais ou menos dez anos. Ele era um advogado em começo de carreira e, tendo ganho como parte de seu primeiro pagamento realmente grande um Audi TT, não pensou duas vezes na hora de adotar o bólido como forma oficial de condução. Aos vinte e poucos anos não se sente medo nem de violência, nem de inveja, nem de nada. Até que um dia, saindo do videoclube, foi abordado, encapuzado e atirado no chão de uma Kombi, na qual foi levado para o cativeiro em que passou os quatro dias seguintes.

Quer dizer, o Celito foi sorteado: teve a má sorte de ser transformado em vítima de uma hora para outra, obviamente por causa do carro, num crime não planejado, o que tende a aumentar o medo das pessoas vitimadas, família e amigos envolvidos. Mas mesmo assim ele me garantiu que não, não sentiu medo, ou pelo menos não o identificou, dado o turbilhão de sensações experimentado. As necessidades básicas do ser humano, por exemplo, só foram aparecer lá pelo terceiro dia. A pressão psicológica administrada pelos bandidos também contribuiu. O momento mais tenso, segundo ele, foi na hora da chamada “prova de vida”, que a polícia orienta a família a pedir para ter certeza que seu filho está vivo. Para tanto ele foi levado para um ermo qualquer, atirado numa vala e obrigado a pedir socorro e a simular maus tratos ainda mais graves do que vinha sofrendo, tudo para impressionar seus pais, algo que naquela situação lhe pareceu impossível. Durante o telefonema, até disparos de pistola foram efetuados, provocando uma sensação apavorante e curiosa ao mesmo tempo: Celito já não sabia se estava vivo ou morto, tamanha sua confusão emocional.

Dizem que na morte sofre quem fica. No sequestro também. Porque se durante o episódio, o Celito não sentiu medo, hoje sente, e muito, não de passar por tudo de novo, mas de estar, como pai, do outro lado da linha, negociando a vida dos filhos com um meliante. O trauma é tão grande que, assim como na vítima principal, os efeitos do choque podem só vir a aparecer depois de meses, ou até anos. E como sempre, numa situação dessas, a orientação é procurar ajuda profissional, isto é, de psicólogos. Foi o que fiz.

Procurei a Cristina Felamingo, advogada que, do acompanhamento do sequestro da filha de uma amiga, saiu determinada a fundar uma ONG chamada Apoio, para atender às famílias das vítimas durante e depois do crime. Um trabalho muito bonito que durou doze anos e ensinou muito. Por exemplo: todos somos sequestráveis. Assim como o Celito, que foi por engano, acontecem muitos casos, ou até de gente humilde, que vai pagar pouco, mas rápido, justamente por não ter a quem pedir socorro. A doutora Cristina viveu e sofreu junto com muitos parentes e amigos de sequestrados, e por isso não consegue perdoar marginal algum; entende que são todos covardes movidos por uma crueldade atroz.

Através da doutora Cristina, conheci a psicóloga especialista em estresse pós-traumático, Dra. Marisa Fortes, num papo bastante esclarecedor. Primeiro: medo é saudável, é ele que nos permite sobreviver, nos salva dos perigos da vida, mas igual a tudo na vida, deve ser bem dosado, na mesma proporção do remédio e do veneno, cuja diferença é o tamanho da dose.

Outra: o estresse pós-traumático é o medo de sentir medo, que vai se agravar a cada crise, como uma bola de neve, dificultando o tratamento, que quanto antes for iniciado, mais chances terá de êxito.

Mais: a Síndrome de Estocolmo, como ficou conhecida a patologia que faz a vítima querer proteger seu algoz, nada mais é do que um mecanismo de sobrevivência, uma vez que o sequestrado precisa do sequestrador para permanecer vivo, levando-o a adulá-lo como a um patrão tirano. E há o inverso, ou seja, casos em que o bandido se apaixona pela vítima e, à revelia do bando, proporciona sua libertação. Pior: há casos de vítimas que, temendo o desconhecido por trás da oferta, se recusam a fugir, criando um impasse tragicômico.

Ainda: assim como na Física, toda ação que envolve sentimentos, quando interrompida, tende a provocar uma reação proporcional e contrária. Quer dizer: livre da Síndrome de Estocolmo, a vítima de sequestro tende a odiar com todas suas forças o sequestrador.

Por fim, ainda a partir de um conceito da Física, os psicanalistas agora estão estudando um fenômeno conhecido como resiliência, princípio dos objetos maleáveis, capazes de se moldar a tudo que sofrem, tornando-se assim mais fortes e preparados para a vida. A fábula do carvalho que nunca verga, mas acaba se quebrando definitivamente quando de um vento muito forte, em contraponto ao bambu, que à menor brisa já balança, mas se mantém inteiro mesmo durante o furacão é a melhor metáfora. Quer dizer: a busca da ciência é pelo caminho que fará capaz o ser humano de transformar em bagagem e sabedoria o estresse sofrido, melhorando a própria vida e a das futuras gerações.

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