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Silêncio! Silêncio, por favor, silêncio!

por Caito Ortiz

Quem pede silêncio pressupõe autoridade. O silêncio como forma de educação sublime, como forma de disciplina, de elevação espiritual.

Ele achava impossível fazer silêncio: “o que fazer, nasci barulhento…” Falou alto desde sempre. E muito. Sua avó dizia para as amigas que ele morava atrás da cachoeira; por isso, o pobrezinho falava tão alto. Era feliz. Cresceu e descobriu o rock’n’roll. Tocou discos, fitas K-7, depois CDs, AIFFs, MP3s, tudo sempre muito alto. O barulho como forma máxima de expressão. Logo pôs as mãos em uma guitarra, que aprendeu a tocar e tocou muito. E alto. Bem alto. Alto, alto, alto.

Nunca ouviu John Cage. Preferia J.J. Cale. Punk rock sempre, sempre em festa e sempre cercado de alegria. Um homem feliz. A felicidade é barulhenta.

O volume da vida aumentou, o trabalho aumentou, a família aumentou, o dinheiro aumentou, as preocupações aumentaram, as responsabilidades, os acertos, os erros, a angústias, as necessidades, os desejos, as decepções, as escolhas erradas. Tudo era excesso, a forma máxima de barulho.

“Silêncio! Silêncio, por favor. Silêncio!”

Um dia acordou diferente. No começo, não percebeu o que estava errado. Sentia-se perdido, como se estivesse vazio por dentro, como se sua natureza o tivesse abandonado. Estava envolto em silêncio. Um silêncio puro, denso, profundo. No fundo da sua alma, sabia que o silêncio um dia o alcançaria.

Em silêncio, a sua essência se fora.

E agora, José?

O silêncio é vazio, é ausência. Com o silêncio veio o medo. Medo de ficar sozinho, de viver sozinho, de morrer sozinho. Só o barulho lhe dava forças. Em silêncio, descobriu-se fraco, como um Sansão às avessas.

Conheceu a tristeza profunda. Chorou muito, sozinho, em silêncio.

A ausência do barulho lhe doía na alma. Uma saudade profunda, uma tristeza que lhe esmagava o peito. Em silêncio, não conseguia mais fazer amor.

Como poderia ser que agora fosse obrigado a viver assim?

Tentou de todas as formas trazer o barulho de volta, mas não conseguiu. Nunca se sentiu tão impotente perante a vida. Descobriu sentimentos que não conhecia e entendeu que sua essência havia se perdido para sempre. Resignado, seguiu em silêncio. Entendeu que o silêncio é uma gruta escura. Aprendeu a sentir prazer em explorá-la, mas essa não era sua essência.

Nunca conseguiu ser verdadeiramente feliz em silêncio.

Mas existe uma esperança: morrer em silêncio deve ser o melhor tipo de morte. Sem agonia, sem barulho.

“Silêncio! Silêncio, por favor. Silêncio!”