Rodolfo Herrera, 33, formou-se em Design Gráfico. Há três anos, trocou o mouse, tabela Pantone e monitor pelas xícaras, moedores e aromas do café. Barista e cofundador do Beluga Café em São Paulo, acredita no envolvimento direto com seus meios produtivos – a origem dos grãos, o esmero no processo -, criando a ponte entre o produto e seu público consumidor.
Yuka Okuyama, 28, formada em Arquitetura e Urbanismo. Divide seu tempo entre a arquitetura e a produção de café em Rio Paranaíba-MG. Filha de agricultores, sempre compartilhou com a família a paixão por café. Há dois anos desenvolve um trabalho na parte de qualidade, focado em microlotes de cafés especiais para o mercado interno.
Rodolfo Herrera – Quando começamos o Beluga, eu trabalhava com design gráfico já havia uns dez anos. Aí passei por esse momento de certo declínio do mercado de comunicação em geral, quando tudo começou a ficar muito bagunçado por conta da internet e de todas as transformações que o mercado sofreu. Como sempre tive uma questão de que quem trabalha com comunicação tem cada vez menos influência sobre o resultado final das coisas, isso começou a me gerar uma frustração muito grande. Começou-se a falar muito que as pessoas têm que procurar satisfação no trabalho, uma ideia de que o trabalho quase deixa de ser trabalho. E a história do café surgiu justamente dos momentos de pausa que eu tinha em relação ao meu trabalho com design. Queria estudar alguma coisa nova, e comecei a estudar café – um tema que me interessava. Consequentemente, comecei a tomar cada vez mais café, café de melhor qualidade, e tentar entender por que esses cafés eram melhores, eram diferentes, por que o Brasil, que é o maior produtor de café do mundo, não deixava esses cafés aqui. Era muito difícil encontrá-los aqui e, quando você os achava, eram muito caros. Eu achava que eram caros. Hoje já não acho que sejam. Acho que são baratos até. Nesses pequenos momentos de pausa, fui entrando cada vez mais nesse tema, até o momento em que isso começou a tomar mais tempo do que imaginava que deveria tomar na minha vida, sabe? E aí foi um ponto sem retorno, em que olhei e pensei: por um lado, eu tinha uma profissão que ia relativamente bem, era sócio de um estúdio de comunicação legal, mas, por outro, não via um futuro naquilo, não via aonde aquilo poderia chegar com essa configuração que se deu, e achava que o momento era o ideal para criar alguma coisa nova.
Tomei essa decisão em 2012, passei 2013 ainda trabalhando com design e estudando cada vez mais, e em 2014 foi quando larguei tudo. No final do ano, eu e Flávio abrimos o Beluga. E, de lá para cá, de certa maneira, acabaram esses momentos de pausa [risos], porque começamos a trabalhar muito. Mas aí comecei a sentir uma coisa que não sentia havia muito tempo, uma satisfação muito grande de estar trabalhando com algo em que o esforço individual tem influência gigantesca no resultado daquilo que você entrega. É o seu trabalho, junto com o trabalho de sua equipe, que diz: “o resultado está aqui”, na xícara. Se é uma xícara ruim, você falhou em algum momento; se é uma xícara boa, acertou. Simples assim. Só que existe por trás uma cadeia complexa, que só trabalhando nisso começamos a entender. Quando abrimos o Beluga, tínhamos uma visão muito estereotipada do que seria trabalhar com cafés especiais, e fomos aprendendo, trocando a roda do carro com o carro andando, sabe? E foi muito legal, mas exige muito esforço no dia a dia. Começamos a fazer um trabalho de nos conectarmos cada vez mais com quem produz o café, porque, no nosso ponto de vista, é ali que está realmente o ponto mais importante da cadeia toda. Não é só pensar no consumidor, porque o consumidor, de certa maneira, está afoito a receber novidades. Mas é olhar para o produtor, se conectar com ele, e trazer, para quem entra na loja, essa conexão direta de certa maneira. É fazer as pessoas pararem em algum momento e olharem para aquilo que estão consumindo, prestarem atenção. Acho que, obviamente, sempre vai existir o lugar onde você vai pegar um café rápido e vai embora, mas acho também que o que estamos fazendo aqui, e que outras cafeterias estão fazendo, é provocar um momento de ruptura, em que você entra e se interessa por uma cadeia, não só pelo produto final que consome. Você quer saber quem é o produtor, de onde vem, como é a relação, enfim… Isso que estamos esboçando aqui. E, assim, a relação com o campo vai nascendo aos poucos. Estudando cada vez mais, vamos conhecendo mais um percurso, tentando nos aproximar dos produtores, e a Yuka foi uma dessas pessoas, nos conhecemos aqui.
Yuka Okuyama – Eu também estava bem desanimada com a arquitetura, quando meu irmão, que morava aqui em São Paulo, acabou voltando para Minas, para a fazenda de café da nossa família. Sempre fui entusiasta do café. Acho que, da família, sou a que mais curte beber café. Para mim, é uma pausa mesmo. De lá, meu irmão se envolveu com café e me fez uma proposta de trabalharmos a qualidade do café da nossa fazenda. Isso foi mais ou menos na época em que o Beluga abriu, e ver todo esse movimento, que estava crescendo aqui em São Paulo, deu um gás ainda maior para nós. Ter contato com vários cafés do Brasil também. Porque, como produtores, é difícil ter o produtor que provou o próprio café. Normalmente existe uma pessoa que avalia o café e precifica, aí você vende. Até mesmo isso, de provar seu próprio café, é raro. É um absurdo, mas é muito raro. Eu não tinha muito repertório de café, e então começamos a pegar alguns lotes e dar uma caprichada. Aprendemos mais sobre o pós-colheita, que é o que traz qualidade para o café. Se você não dá um bom tratamento no pós-colheita, a qualidade pode cair muito. É um dos momentos mais importantes para o café. A fazenda da minha família fica no serrado mineiro, região conhecida pela produtividade. Temos algumas vantagens, digamos assim, porque o terreno lá é plano, então a gente tem colheita com máquina. Só que, como o Brasil tem o pensamento de quantidade, e não de qualidade, somos o maior produtor de café mas não somos conhecidos como o melhor café do mundo. Quando você tem muito café, é muito difícil ter tempo e cuidado com todos os lotes. Meu pai consegue uma qualidade e uma produtividade no café dele, mas começamos a dar mais atenção para alguns lotes com mais potencial, e no ano passado, em nosso primeiro teste, e pontuamos muito bem. A primeira vez que meu pai provou o próprio café foi no Beluga. Em casa a gente só tomava o café dele.
RH – Mas era uma coisa torrada na fazenda, né?
YO – É. Daí é outra história, você fecha o círculo, né? Você produz um café bom, tem um mestre de torra que torra bem, que vai buscar o melhor perfil para o seu café, e ele chega à cafeteria onde o barista vai servir-lo da melhor forma. Para o meu pai foi muito especial, mesmo.
RH – E nossa relação nasceu muito espontaneamente. Você vinha aqui como cliente, a gente nem sabia que você produzia café, fomos conversando cada vez mais, e um dia você trouxe uma amostra, nós provamos e falamos: “Caramba, esse café é incrível, dá para sair muita coisa boa daí”. E a gente foi aprendendo meio junto também.
O café tem uma relação com o tempo que é primordial para seu desenvolvimento. Vocês tiveram essa primeira safra focada em qualidade, nós provamos e demos feedback, além de outros feedbacks que vieram também, mas isso será aplicado somente na safra do ano seguinte. Existe uma espera de um ano para que isso aconteça de novo, e você nem sabe se realmente vai sair da maneira que quer que saia, porque há a influência do clima, dos processos pós-colheita, enfim… O café é um negócio que exige muita paciência e muita dedicação.
Por isso que é importante a proximidade com quem produz e com o campo. Aqui, tudo é muito rápido, para nós que estamos preparando e servindo. Produzimos centenas de xícaras ao longo dia. Só que, para que isso aconteça, para que a qualidade chegue de maneira padronizada nas xícaras, exige-se todo esse tempo “pré” do produtor. Se você experimenta novas variedades, plantando diferentes espécies, vai esperar essa planta crescer, e vai demorar três, quatro anos para dar a primeira colheita. Por isso o café exige outro tempo mesmo, e é muito difícil de conciliar. Isso de que você falou, que o Brasil é um país que sempre focou muito em quantidade e agora está aprendendo a trabalhar com qualidade, é uma mudança de paradigma enorme na maneira como a gente lida com o café. Mesmo para o consumidor é uma experiência diferente chegar aqui ou em outros lugares que trabalham com cafés especiais e consumir. O cliente pede um café coado e ele não está pronto. Preparamos na hora, moemos na hora, e demora mais tempo para ser feito e servido. Existe uma relação, que as pessoas vão aprendendo pouco a pouco, com o preparo das coisas, que toma um pouco mais de tempo, que não é tão mecânica.
YO – A onda do slow, né? Slow food, slow fashion… Está voltando um pouco agora, com o mundo tão acelerado. Acho que pouco a pouco estamos retomando essas coisas que demandam mais tempo, que são feitas com mais calma e mais qualidade. Talvez uma volta desses momentos de pausa.
RH – É. E o café especial está inserido justamente nessa mudança. É o que falei das pessoas se reconectarem um pouco com o produto e entenderem que existe um tempo para ele ser feito. Por exemplo, faz dois dias que estou sem café na prateleira – isso não deveria acontecer, em teoria, mas é porque a gente está num momento de entressafra, então os lotes que a gente tinha estão acabando, e não conseguimos tê-los imediatamente. Eu dependo do café que está no torrefador, sendo torrado, e ele vai me entregar agora à tarde para poder empacotar e colocar na prateleira. Não é um processo automatizado, industrial; são pessoas que estão envolvidas ali fazendo isso manualmente. E isso é muito legal, porque a pessoa que está aqui consumindo vai aprendendo esse timing, que toda semana eu recebo um lote de café torrado novo, então sempre vai ter esse frescor. A pessoa chega aqui – e isso é uma mudança de comportamento muito grande que acontece – e a primeira coisa que faz é olhar embaixo do pacote para ver qual é a data da torra do café. Isso é demais! É quebrar com a coisa do supermercado, que você pega e você nem sabe quando aquele café foi colhido, quando aquele foi torrado, quando foi moído.
YO – Validade de um ano. Café que já está moído…
RH – Um ano de validade. O café não dura um ano! Nenhuma comida deve durar um ano! [risos] Ela perde sabor, perde frescor, uma série de coisas. Óbvio que estou falando de uma coisa muito específica. Entendo que a industrialização da comida seja importante para uma série de coisas. Não conseguiríamos alimentar tanta gente se não tivesse uma indústria de alimentos, mas, nesse nicho, é muito importante esse processo para manter o frescor, para manter o café sempre novo.
Vemos essa mudança acontecer aqui diariamente. De gente que chegava, um ano e meio atrás, quando abrimos, e que só tomava café espresso com açúcar, e que agora toma um copo enorme de café coado sem açúcar e sai daqui feliz.
YO – Os cafés especiais têm uma doçura muito presente. Esse que a gente tomou agora… é muito suave.
RH – Isso tem a ver com essa história de saber a origem das coisas. Começar a entender que o café é uma fruta, e fruta tem doçura, tem acidez, tem tudo. Então você começa a olhar para o café de uma maneira diferente, o seu paladar muda. E quando o paladar muda, já era. Não tem volta. Uma vez que você provou uma coisa boa, dificilmente você volta. E aí entra também um trabalho nosso, de toda a cadeia, de tentar fazer com que esse café seja cada vez mais acessível, que tenha mais pontos para as pessoas consumirem e poderem levá-lo para casa.
Hoje, os nossos momentos de pausa têm sido quando conseguimos sair daqui, ir atrás de novos produtores, visitar fazendas, nos envolver mais nos processos. É uma das partes mais gratificantes, e todo ano é diferente. Todo ano você vai provar um café do mesmo produtor, e ele vai ter produzido alguma coisa diferente, porque o clima naquele ano foi diferente durante o plantio, durante a colheita, a maturação foi diferente, teve mais sol, menos sol, mais chuva, menos chuva… É um momento que paramos a loucura da cafeteria e nos reconectamos com o produto para entender como é que ele se desenvolveu naquele ano e como é que você vai trabalhá-lo depois que sair dali. As receitas de preparo vão mudando, as receitas de torra vão mudando, muda tudo a partir desse momento em que nos conectamos com a produção. E isso tem sido muito importante para nós, para vivenciarmos também uma mudança muito importante que tem acontecido no campo no Brasil. Se ficamos só em São Paulo, ignoramos um pouco o que existe no cenário do campo. Recentemente estivemos no sul de Minas comprando café de uma cooperativa de que sempre compramos, e ficamos assustados de chegar num lugar em que não tem uma placa escrita em português. O campo no Brasil é um troço muito, muito, muito avançado. Existe um nível de desenvolvimento e de tecnologia envolvido que a gente fica abismado quando vê. Isso quando falamos das regiões que trabalham com volume. Óbvio que, quando você vai para um lugar como o Espírito Santo, que é onde esses cafés são produzidos em pequenas propriedades, ainda tem a colheita manual, tudo acontece num outro timing. Mas, em alguns lugares de Minas, é outro mundo. Muito high-tech.
YO – É agricultura de alta precisão, né?
RH – De alta precisão, exatamente. Você sai da cidade achando que está entendendo muito do que existe de mais moderno, quando você está muito para trás. Existe um desenvolvimento interessante, principalmente relacionado ao café, em que o Brasil tem certa liderança de domínio tecnológico em relação à produção que é muito legal de ver.
YO – Vou passar esse próximo mês em Minas. Lá na fazenda estamos já colhendo, mas o trabalho que vou fazer lá é avaliar o café – eu não sou Q-Grader* nem nada, mas vou acompanhar.
Trabalhamos junto com uma cooperativa lá, e o meu papel vai ser basicamente acompanhar essas provas e ir separando os lotes que têm potencial para avaliarmos. Como é só uma vez por ano só que temos a oportunidade de testar novas formas de secagem, novos tratamentos do café, então vou pegar esse mês agora para fazer alguns testes. Como a nossa colheita é quase 100% a máquina que faz, a minha ideia agora é reunir um pessoal para fazer uma colheita seletiva manual. Aí vamos pegar esse café, secá-lo, fazer o beneficiamento… E só depois vamos provar.
RH – Vamos ter esse café pronto quando?
YO – Bom, já estamos provando alguns, mas começamos a colher no começo do mês. Então ainda tem um processo demorado, né? Porque ainda tem que secar o café, deixar descansar, e descascar até virar o grãozinho.
RH – Então, em uns dois meses depois de colhido?
YO – Sim, acho que uns dois meses até chegar aqui. Todo mundo está colhendo, está uma loucura, mesmo para o provador lá da cooperativa. Ele prova vários cafés por dia…
RH – E quando chegar aqui tem a outra parte, que é começar a fazer os testes de perfil de torra, sentar com o torrador e começar a procurar qual o perfil adequado para aquele café que você nos entregou. Existem, sei lá, cinco, seis perfis diferentes, provamos várias amostras dos mesmos perfis, escolhemos um que está mais ou menos no caminho ideal, e aprofundamos mais essa torra. A gente não tem uma estrutura de torrefação ainda. Quem faz a torra pra gente é um parceiro chamado Hugo. Até chegar na xícara exige muito tempo e esforço.
Depois que o perfil está pronto, ele é replicado naquele café semanalmente, enquanto existir ali. Mas ainda existem ajustes que fazemos nesse perfil, porque o café vai envelhecendo, perdendo suas características e ganhando outras. É uma coisa viva. É muito dinâmico. Todo dia é diferente.
YO – Na fazenda também é assim. Muito difícil. Se um talhão teve boa pontuação, o dividimos em partes, e, se no ano passado esse talhão bebeu bem a bebida, nesse ano pode ser que não seja assim.
RH – Se um café de um determinado talhão ficou melhor na xícara, no ano seguinte pode ser que não seja tão bom…
YO – Então, mesmo para nós, temos que identificar qual a melhor forma de trabalhar com aquele café. Acho que isso que é o que dá mais prazer de trabalhar com café; é muito complexo, são muitas variáveis… Porque é uma planta. Então tem ano em que o fruto vai estar mais doce. Daí, se ele produziu muito, no próximo ano talvez não produza tanto, porque a árvore dá uma descansada…
RH – Você estressou muito a planta.
YO – E também tem esse tratamento da secagem do café, que é muito importante, que pode também estragar um ótimo café. Temos que ficar de olho em todas as etapas, para poder trabalhar só esses lotes especiais. E fazer testes, mesmo. Acho que não estamos muito maduros ainda. Meu pai já faz isso há muito tempo, mas a gente está aprendendo muita coisa, testando muitas coisas agora. E é uma vez por ano. Você tem que dar uma avaliada geral e ver o que aconteceu com aquele café.
RH – E já começar a planejar a safra seguinte.
E tem uma coisa interessante também em relação à pausa, que é a relação das pessoas com a cafeteria. Eu sempre frequentei cafeteria, mas acho que nunca tive esse olhar que tenho agora. Agora que estou do outro lado do balcão, eu consigo observar o comportamento das pessoas que estão dentro da cafeteria. E é muito engraçado ver como as pessoas que procuram a cafeteria têm diferentes padrões. Um deles é o mais comum, que é o da pessoa que está no escritório e sai para tomar um café em algum momento do dia, para passar um tempinho fora do escritório, pensando na vida. Um outro perfil, que se repete cada vez mais, é o de gente que vem trabalhar aqui. E isso tem feito a gente olhar para relações muito interessantes que têm se desenvolvido. Pensando na região aqui, que é uma região que tem diversos escritórios de arquitetura e tal – a cafeteria começa a ter um papel muito importante em conectar as pessoas que estão por aqui por um motivo ou outro. Vemos cada vez mais reuniões de pessoas que trabalham na mesma rua e que não se encontravam constantemente, e acabam se encontrando aleatoriamente para conversar e acabam conversando sobre projetos, sobre o que estão fazendo… Vemos pessoas, também, que sabemos que são de escritórios diferentes e que vêm juntas para cá. O café tem essa capacidade social, de alavancar relações, que, para nós, de trás do balcão, é muito interessante. Reparar como esse ambiente propicia esse tipo de coisa, das pausas ao longo do dia.
Isso me fez lembrar de um livro do Steven Johnson, que é um jornalista que escrevia sobre ciência, física, vários temas diferentes, e começou a se interessar cada vez mais por tecnologias, e por como a tecnologia interfere na nossa vida. Ele escreve pequenos ensaios. Os livros dele são bem interessantes. Mas tem um livro chamado Where Good Ideas Come From que fala que ideias inovadoras nem sempre – quase nunca, na verdade – nascem daquela coisa da luz que acende, sabe? Ele diz que nascem de uma construção social. E tem um ponto muito interessante no livro, que é bem no início, em que ele fala sobre uma transformação que acontece na Inglaterra a partir de mil seiscentos e pouco, que é quando surgem as primeiras cafeterias, os primeiros lugares para consumir café. Porque, até então, se pensarmos na Inglaterra pré-revolução industrial, não existia água encanada, água limpa nos lugares, então a coisa mais segura que tinha para você beber não era água, mas álcool, porque era garantido que estava esterilizado, e eles tomavam cerveja ou destilados. Então você tinha uma população que basicamente – obviamente ele estereotipa isso – vivia bêbada 24h por dia, que se reunia para beber, e os encontros eram sempre à base do álcool. Quando começam a surgir as cafeterias, começa a haver um reagrupamento das pessoas em torno do café, para conversar e discutir ideias tomando um estimulante, e não mais uma coisa que as derrubava. E ele começa a relacionar isso a uma série de desenvolvimentos tecnológicos que começam a surgir na Inglaterra a partir desse momento, porque o café propiciou esses encontros e começou a estimular as pessoas a ficarem mais produtivas, mais sãs. É só um parênteses histórico que acho interessante, mas que, no final, vemos acontecer aqui diariamente. A pausa para um cafezinho é muito diferente da pausa que acontece ao final do dia, quando as pessoas se encontram para beber.
Em um ano e meio desde que o Beluga está aberto, eu nunca conheci tanta gente na minha vida, e nunca conheci tanta gente interessante. São muitas histórias diariamente. Quando você sai daqui e vai para o campo, também são outras histórias incríveis que você conhece; são outras realidades, vamos nos conectando. O café te obriga, de uma certa maneira, a se conectar com muitas realidades diferentes. Sou uma pessoa muito melhor, muito mais aberta, muito mais compreensiva por conta dessa convivência que tenho aqui na cafeteria. Você é obrigado a isso, sabe?