#25EspaçoArquiteturaDesign

Perpétua Mutabilidade

por Francesco Perrotta-Bosch

Imagens MoMA

Em meados de 1952, o Museu de Arte Moderna de Nova York montou a exposição Two Houses: New Ways to Build [Duas Casas: Novas Maneiras para Construir], propondo-se a demonstrar os dois caminhos que a arquitetura mundial poderia trilhar dali por diante. A curadoria do MoMA selecionara duas alternativas antagônicas, bem ao espírito de um mundo dicotômico que assistia ao surgimento da Guerra Fria. De um lado estava a precisão geométrica de uma residência sob a cúpula geodésica de Buckminster Fuller; do outro, a estranheza causada pela Endless House de Frederick Kiesler, com sua rugosidade, seu espaço sem qualquer indício da presença de planos e ângulos retos, sua forma informe.

Poucos anos depois, Philip Johnson definiu Frederick Kiesler como “o maior arquiteto não construtor de sua era.” Da sua cabeça saia uma miríade de projetos fantasiosos; porém, tal como a Endless House, praticamente nenhum era construído, e muitos nem mesmo eram exequíveis. Afinal, punha-se em dúvida um argumento de autoridade da disciplina: a ponte entre o pensar (projeto) e o fazer (execução) na arquitetura é feita eminentemente pelas relações matemáticas, pela geometria, pela proporção, pela perspectiva. Tais parâmetros arquitetônicos são explicitamente questionados na Endless House.

Kiesler insistia em “correlacionar” e não “segregar”, fazendo com que sua atividade abrangesse e hibridizasse pintura, escultura, colagem, arquitetura, filosofia, poesia, design de objetos e gráfico, cenografia e dança. Em manifesto de 1925, Kiesler já bradava “não mais muros” entre arquitetura e arte. No ano anterior, ele tinha feito seu primeiro eminente projeto: o Space Stage (1924). Era como se se apropriasse do Monumento à Terceira Internacional (1919) de Vladimir Tatlin e depois o achatasse para caber dentro do Konzerthaus de Viena, criando um palco circular que se ativava quando invadido pelos atores em movimento – uma estrutura sem adornos que proporcionava ao artista teatral uma apropriação específica do espaço.

De origem romena, Frederick Kiesler foi para Viena ainda criança, onde passou sua adolescência e juventude vivendo a Viena fin-de-siècle. Naquele ambiente, teve a possibilidade de se aproximar das vanguardas modernas da década de 1920, em especial dos neoplasticistas. Com eles, concebeu a espacialidade da exposição parisiense City in Space, na qual extraiu o sistema de Mondrian da planalidade da tela de pintura para aplicá-lo no espaço.

Em virtude dos dois projetos, é convidado para a International Theatre Exposition de 1926, em Nova York. Lá, deu uma guinada radical, apresentando seu primeiro trabalho “sem fim”: o Endless Theater, uma edificação de forma ovoide, onde o palco e a plateia circulares misturavam-se em meio a rampas e planos inclinados, impelindo a tudo e a todos naquele universo teatral a estarem em perpétuo movimento. Chegou até a receber um convite para construir seu teatro no Brooklyn. A execução não prosperou, mas Kiesler seguiu morando em Manhattan até o fim da vida.

A plenitude da incorporação do movimento na arquitetura de Kiesler ocorreria na Space House – uma casa não estática que interagiria com o morador por meio de um intercâmbio de forças e energia. Os ambientes dessa Casa Espacial deveriam se movimentar, em uma franca analogia à respiração: afirmava que era uma edificação em contínua modificação por meio de movimentos de “contração” e de “expansão”, ou seja, a Space House seria uma espécie de organismo vivo tal como é o corpo humano.

De alturas variantes, os pisos da moradia seriam uma espécie de esponja elástica que se transformaria de acordo com a pressão do peso do morador exercida em cada passo. Portas, janelas, todos os elementos constituintes da casa seriam capazes de se transfigurar. Pensava em paredes e tetos deslizantes, ou algo como uma pele que poderia ser rasgada e costurada pelo próprio mecanismo gerenciador dessa arquitetura mutante. Portanto, a Space House precisava ser constituída por uma membrana moldável e adaptável, capaz de ser tanto uma camada protetora quanto conter a permeabilidade que permitisse as transferências de energia entre interior e exterior, isto é, entre morador e mundo.

A Space House foi apresentada numa feira nova-iorquina de mobiliário, em 1933, mas o próprio Kiesler admitia ainda não existir a tecnologia capaz de materializar o que vislumbrava. Os textos do arquiteto visionário são mais elucidativos que o modelo construído. Afinal, o tempo é o agente principal da configuração desta casa. Kiesler concebia um edifício modificável de acordo com as necessidades dos moradores, das transformações inerentes à vida. É uma arquitetura que se recusa a resultar em uma forma inerte, mais que isso, uma arquitetura que refuta a ideia de resultar.

Kiesler estava lançando as bases da Endless House. As intenções contidas nos textos da Space House, que não encontravam rebatimento no campo visual e tátil, passam a se transfigurar, quinze anos após, na Casa Sem Fim. Paredes, piso e teto eram um todo contínuo e fluido. Uma edificação que não se pacificava em uma geometria. Sua completa irregularidade corporificava-se em uma materialidade estriada, aparentemente rudimentar (nas maquetes), que borrava qualquer idealidade estrutural ou funcional.

Não que estrutura e função inexistissem. Por meio da diferenciação de texturas, cada espaço teria um caráter distinto de acordo com seu uso. Arquitetava-se (de modo inconclusivo) uma estrutura que amalgamasse concreto com telas metálicas, entremeados por uma matéria moldável transparente. Não haveria chuveiro, mas piscinas de banho conectadas por filetes de água. As atmosferas sensoriais de cada ambiente seriam complementadas por efeitos de iluminação. Kiesler desejava que a Endless House operasse como um grande cristal que filtra a luz do sol para o seu interior ao longo do dia: a luz difusa no interior conteria as variações de cor dos raios solares, assim permitindo que as ações cotidianas dos moradores estivessem em pleno concatenamento com as condições naturais. Muito antes do mundo da Apple e Google, Kiesler vislumbrava a presença de estímulos multimídia na vida, introduzindo projeções ilusórias nos planos contínuos que envolveriam o ser em cima, embaixo, ao lado.

É esclarecedor o fato de a Endless House ter tido diferentes versões ao longo de mais de uma década e nunca ter sido construída. É um projeto que não se encerra com a morte de Kiesler. Permanece na história da arquitetura como uma antecipação do que a disciplina pode vir a se tornar. Tal como sua aparência, a Endless House é áspera a tentativas de execução, de materialização dela em escala real. Sua forma não se pacificou em uma solução única, exequível. A matéria que a constituirá ainda está por vir. O morador que a habitará ainda está por vir. É uma casa informe na sua recusa à geometria, à materialidade, à configuração da sociedade tal como ela era em meados do século XX e ainda é no começo do século XXI.