Em 2002, a atriz Regina Duarte provocou polêmica ao aparecer no programa eleitoral do então candidato José Serra dizendo que sentia medo diante da possibilidade de ver o Lula lá e o Brasil tragado por um turbulento retrocesso econômico. Assim como ela, a parcela da sociedade que pode distinguir impressão de estabilidade com estabilidade de fato sofria a mesma sensação. Em função de cinco ou seis crises estrangeiras, o Brasil estava economicamente triste, enfermo, mas, diante do quadro internacional, todos seus índices estavam melhorando. Quer dizer, o remédio amargo que é o tripé do Plano Real estava funcionando: câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal.
Levando em consideração que o PT votou contra o Plano Real e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, qualquer um sentiria medo, e notadamente o mercado financeiro, que, apavorado com a iminente vitória da oposição, sacava seus investimentos brasileiros, agravando a situação. Mas então veio a Carta aos Brasileiros, na qual o ora postulante Lula procurava tranquilizar os esclarecidos, assumindo que muito do que dizia não passava de bravatas e que não mexeria na economia.
Cumpriu o que disse, mas daquele jeito que é possível aos bravateiros. Digo, como nunca foi de oposição, mas sempre “do contra”, quando virou situação ele não sabia apontar um norte para o Brasil. Simples: quem é contra tudo, não é a favor de nada. Assim, uma vez lá lhe restou chamar um tucano banqueiro para o Banco Central e determinar que tudo continuasse como antes.
O resultado é sabido e, depois de oito anos, está refletido na estratosférica popularidade do presidente. Quem disser que a economia está ruim vai arranjar briga com o povo brasileiro, que se transformou em classe C, trocou a geladeira, comprou o primeiro carro e até foi dar um passeio de navio. Porém, com estaleiro construído pelo Plano Real, e com o mundo navegando em mar de golfo (para usar figuras náuticas em homenagem a tantos cruzeiros turísticos), o governo poderia ter colaborado na armação de um transatlântico; porém, tudo o que conseguiu foi entregar uma lancha. Branquinha, bonitinha, satisfatória, mas apenas uma lancha, sem autonomia nem capacidade para nos levar adiante.
Para continuar em termos marinheiros, é só olhar para os portos para ver que não vamos longe: um navio que chega em Santos espera, em média, cinco dias para atracar. Por terra, as estradas do país estão se esfarelando, e a malha ferroviária foi comida pelas traças. Os aeroportos mais parecem arenas do escárnio, sem a menor capacidade de acompanhar o crescimento econômico como está. E, por falar em arenas, é bom sempre lembrar que ainda há quem comemore a vinda da Copa do Mundo e das Olimpíadas. A indústria regrediu um século e se contenta com o papel de fornecedor de matéria-prima para o resto do mundo.
Hoje, às vésperas de outra decisão política, se perguntarem à Namoradinha do Brasil se ela continua com medo, imagino que a resposta seja afirmativa, ainda que a raiz tenha mudado. Assim como todos nós, ela deve querer um Brasil maior e melhor, mas não teme um retrocesso econômico para já. Até porque, quando começam a brincar com a democracia, defendendo controle da mídia, osculando ditadores nos sertões e alhures, forjando dossiês, quebrando sigilos financeiros, debochando das leis vigentes, os mais experientes se apavoram e se distraem de medos menores, porque já viram o filme e sabem que ele não é bonito. Ela própria experimentou a patrulha ideológica de muitos colegas, que depois tiveram que se redimir – mas não se redimiram – quando dos escândalos do mensalão, dos dólares da cueca, dos aloprados, dos churrasqueiros.
O mundo gira, e quem antes se fingia de vítima de preconceito agora semeia o medo para impressionar os mais humildes. Como tudo que há de bom por aí é coisa nova, “nunca antes na história deste país” experimentada, o Bolsa Família não é mais filho do Bolsa Escola, e foi inventado pelo governo atual. Assim sendo, pode acabar de uma hora para outra caso o povo não vote em quem o Lula mandar. Mas, afinal, quem tem medo… do lobo mau?
Medo
por Léo Coutinho