Aos seis anos de idade, ainda não nos vestimos da vida. Nossa pele fresca não aceita o que é tecido por olhos cansados, o que é costurado por linhas retas ou bordado em ponto cruz. As roupas são feitas para sujar, os shorts para molhar, os chapéus para perder e as meias para encardir. Se é para cobrir a pele, banho de esguicho cai como uma luva; banho de piscina, como um cobertor. Só banho de chuveiro que… Bem… fica para depois.
Aos seis anos, a roupa é apenas a expectativa quebrada do presente de Natal. É apenas o que pinica no piquenique. A roupa rouba tempo da criança rouca: tem de colocar cachecol, tem de se encapotar. Mas não é toda roupa que cai mal aos seis anos. A menina desta história, por exemplo, foi inspirada por motivo nobre: entre o jantar e a hora de dormir, resolveu se vestir de princesa. Na falta de uma fada madrinha, se virou com toalhas e panos de prato. Até um lençol pequeno, velhinho dos seus tempos de bebê, virou fazenda de renda. Ela estava de frente para o espelho e ia segurando todos os tecidos juntos longitudinalmente no seu corpo. As camadas iam engordando a saia, que já se parecia com aquelas ilustradas nos livros dos irmãos Grimm. Para segurar? O cinto da mamãe, claro. Deu um pouco de trabalho para colocar, mas ficou lindo. Em cima, sua blusinha de manga bufante, a mesma que odiava na hora das festas. Nem a madrasta, nem a Branca de Neve, nem qualquer outra concorrente da vizinhança viram alguém mais bela do que ela.
A satisfação pelo recém-criado traje a encorajou a mostrar a obra nos salões reais. Bastava descer as escadarias e encontrar o rei, a rainha e o bobo da corte, ou seja, o amigo chato que o pai insistia em levar para jantar (não, pensando bem, acho que os bobos, em sua sã inconsciência, jamais seriam coniventes com atos indelicados). Ela, a herdeira do trono. Ela, tocada pelo condão de sua própria imaginação. Ela que, em estado de graça, após finalmente encontrar algum prazer na vestimenta, flutuava pelos degraus, pé ante pé. Os sons dos talheres e das risadas empilhavam-se pesadamente como as paredes das muralhas. Mas, ainda assim, a corajosa infanta prosseguiu.
Ao vislumbrarem a figura ao pé da escada, os nobres se espantaram, minimizaram as euforias, demonstraram até uma certa admiração. Nem o monarca se furtou de elogiar a plenos pulmões. Na face norte da mesa, foi a vez da rainha pedir: “Uma voltinha, por favor”. Uma voltinha? Claro, por que não? Uma voltinha e… Ó, meu Deus! Som abafado. Reviraram-se os olhos. Reviravolta. Quebrou-se o encantamento. Era a maldição da bruxa que esqueceram de lhe avisar. A voltinha. Depois da pausa, risadas estrondosas, desrespeitosas, e, de princesa mais bela, ela passou à gata borralheira, antes mesmo da meia-noite.
O movimento revelou que sua saia não tinha parte de trás. Nem uma toalha, nem um pano de prato. Nada. Esqueceu do seu verso. O único tecido ali era o da calcinha de algodão com desenho de maçã. A princesa exposta. A princesa deposta em sua inocência. Dura lição aos seis anos. O lado desnudo, despojado, desprotegido pode bem se transformar em motivo de chacota. Ainda ao som dos comentários, os últimos antes de outro assunto qualquer, ela tirou rapidamente os panos e toalhas e se descobriu sozinha. Nua perante a vida, parada e perplexa no reverso de sua devoção.
Vestir-se da vida
por Nuria Basker