Arte da alagoana Roxinha.
#46Tempo VividoSociedade

Climatério e reposição hormonal: uma conversa com Marcelo Steiner

Marcelo Steiner é médico ginecologista, integrante da Associação Brasileira de Climatério.

Na primeira metade dos anos dois mil, a publicação dos resultados de uma pesquisa clínica que incluiu mais de vinte e sete mil mulheres fez eclodir uma questão polêmica: a terapia de reposição hormonal para mulheres no período do climatério é arriscada? A diminuição do estrogênio, característica que marca o período que vai da perimenopausa à pós-menopausa, pode causar sintomas como calorões e labilidade emocional, além de aumentar o risco de doenças crônicas, como as cardiovasculares. Até esta publicação, a literatura científica demonstrava que a reposição do estrogênio estava associada a respostas benéficas para a saúde feminina, sendo considerada, inclusive, um protetor para doenças cardiovasculares. Porém, os resultados do estudo apontavam não só para um aumento dos casos de doenças cardiovasculares, mas também para o aumento dos casos de câncer de mama. Muito embora haja consenso de que diversos equívocos metodológicos determinaram resultados incorretos, receios advindos dessa pesquisa ainda ecoam no imaginário das pessoas.

Para que a reposição hormonal aconteça da maneira adequada, o quadro deve ser favorável, o início deve ter o timing ideal e tudo deve ser acompanhado de perto por um especialista. Por essas e outras, o SUS não cobre a reposição do estrogênio. Para explicar melhor o porquê disso e nos guiar por outros conceitos importantes, conversamos com Marcelo Steiner, ginecologista com quase 20 anos de prática que faz parte da Associação Brasileira de Climatério (Sobrac).

Revista Amarello: Quais são as diferenças entre pré-menopausa, menopausa e pós-menopausa? 

Marcelo Steiner: Menopausa significa a data da última menstruação da vida da mulher. Significa que o ovário perdeu totalmente a capacidade de produzir hormônio e ovular. Então, a partir desse momento, a mulher deixa de ter capacidade reprodutiva e tem a produção de hormônios diminuída. Logicamente, isso não acontece de um dia para o outro. O ovário vem perdendo essa capacidade ao longo do tempo, principalmente nos cinco anos prévios à menopausa. As mulheres começam a sentir alguns sintomas relacionados a essa insuficiência de capacidade na produção de hormônio pelo ovário, e o primeiro é a irregularidade menstrual. Alguns ciclos começam a mudar de padrão. E aí, quando começa a se aproximar cada vez mais da menopausa, os sintomas mais clássicos, como a onda de calor e a labilidade emocional, começam a aparecer. 

A gente considera o período dos primeiros sintomas — que, em média, começam cinco anos antes da pós-menopausa — até um ano após a menopausa como perimenopausa ou transição menopausal. A partir daí, vem o que a gente chama de pós-menopausa. Ela, em tese, se estende até por volta dos 65 anos, quando o impacto da perda do hormônio deixa de ser tão relevante e os efeitos do envelhecimento se tornam mais importantes. 

RA: Você citou alguns sintomas. Existem outros?

MS: Para além da irregularidade menstrual, existem os sintomas relacionados à perda da produção do estrogênio, como sudorese e sintomas relacionados tanto à secura vaginal quanto à perda urinária. Não tem muita regra: tem mulheres que são pouco sintomáticas, tem mulheres que são extremamente sintomáticas. Nessa fase, a mulher tem propensão à alteração do colesterol, com risco de dislipidemia e aumento do acúmulo de gordura abdominal, em um padrão masculino. Todos esses fatores aumentam o risco de aterosclerose, que é o depósito de gordura nos vasos e que, no futuro, pode levar ao infarto. Perder o estrogênio também eleva a taxa de perda de massa óssea, aumentando o risco futuro de osteoporose. O estrogênio está envolvido no metabolismo energético dos neurônios e, quando cai, o neurônio precisa se adaptar ao novo status. Esse processo está envolvido nos diversos sintomas relacionados ao sistema nervoso central, como os calores e a labilidade emocional. Quando há uma adaptação, esses sintomas diminuem. São sintomas de transição, mas que tornam esse período desafiador para a mulher. 

RA: Muito se fala, até de maneira preconceituosa, da questão emocional ligada à menstruação. Mas, ligando à menopausa, nem sempre, né? O quadro todo é bem complexo. 

MS: De maneira geral, as mulheres encaram esse período de maneira muito negativa. Eu vejo um outro lado que é muito legal: o amadurecimento. É um período de reflexão que, às vezes, pode levar a mulher a tomar decisões que podem até melhorar a sua vida. Há bastante coisa positiva relacionada a esse período também.

RA: Considerando os seus anos de prática, pacientes costumam fazer um acompanhamento até a menopausa, para já chegar nela entendendo a situação, até de uma perspectiva psicológica? 

MS: Normalmente, após os 40 anos, a mulher começa a pensar que precisa ter mais cuidado com a sua saúde. Antes, o foco era, principalmente, os filhos, a vida profissional. Depois, ela começa a pensar no autocuidado e reflete sobre o que é esse período que está por vir. Diferentemente dos homens, a maioria das mulheres têm essa preocupação.

Os 40 anos são uma janela importante para se chegar bem na menopausa. As mulheres que estão fazendo exercício físico, têm uma boa alimentação e uma boa qualidade de sono passam por essa transição de maneira mais tranquila e menos sintomática. Já as mulheres que não estão comendo nem dormindo bem, que estão estressadas, acima do peso, tendem a ser mais sintomáticas. Mas não há uma regra. Algumas doenças têm um fundo genético mais importante. Existe uma coisa individual, mas, em geral, aquela que entra nesse período com uma melhor qualidade de saúde vai ter uma transição mais tranquila e os riscos associados a entrar na menopausa vão ser menores. Por isso, é importante o médico pesar a vida pessoal da paciente com o quadro clínico dela. 

RA: Considerando os malefícios da falta de estrogênio, pensar na reposição desse hormônio parece algo simples, mas é uma questão difícil, até polêmica. Qual é o quadro geral da história?

MS: Quando estava no internato, no começo dos anos dois mil, os ambulatórios de ginecologia tratavam a mulher no climatério com a terapia de reposição hormonal até o fim da vida. E, naquela época, se tinha que a terapia de reposição hormonal era muito benéfica para uma série de fatores, principalmente a diminuição de sintomas. 

Em 1994, começou um estudo chamado Women’s Health Initiative. Foi um marco na terapia de reposição hormonal, feito com dois grandes grupos: um de mulheres que tinham útero e um grupo que não tinha útero. Das mulheres que tinham, metade foi medicada com terapia de reposição hormonal oral combinada de estrogênio e progestagênio, porque quem tem útero precisa fazer a terapia combinada para proteção do endométrio, e outra metade recebeu placebo. Ao grupo que não tinha útero foi dado estrogênio isolado ou placebo. O objetivo principal desse estudo era demonstrar que a reposição hormonal diminuía o risco de doenças cardiovasculares, mas ele foi interrompido antes do programado, porque o grupo que estava recebendo a terapia de reposição hormonal começou a apresentar maior risco para câncer de mama. E, apesar da literatura científica até aquele momento mostrar benefício relacionado às doenças cardiovasculares, o estudo também revelou aumento no risco para essas doenças. Foi um banho de água fria. A partir da divulgação dos resultados, muitos deixaram de prescrever ou utilizar terapia de reposição hormonal.

O estudo do outro grupo, o de mulheres que não tinham útero, foi interrompido com mais ou menos sete anos, por um aumento de risco de acidente vascular cerebral. Mas, nessas mulheres, o risco de câncer de mama não aumentou. Na verdade, o uso do estrogênio isolado mostrou quase uma proteção para câncer de mama, ainda que ele aumentasse o AVC.

Depois de observar melhor a metodologia do estudo, pesquisadores avaliaram que a população estudada era mais envelhecida, com a média de 63 anos. A grande maioria dessas mulheres já estava há mais de dez anos na pós-menopausa. E aí o que se viu foi que, analisando os resultados de acordo com a estratificação da idade, a população mais jovem, entre 50 e 59 anos, tinha uma tendência à proteção cardiovascular. Dessa análise, saiu um conceito que hoje é muito importante, chamado de janela de oportunidade. Ele diz que quanto mais próximo da menopausa for iniciada a terapia hormonal, menor o risco para doenças cardiovasculares. O raciocínio por trás é que, quando você perde o estrogênio, esses vasos sem o hormônio tendem a envelhecer e desenvolver placas de gordura, que é o que a gente chama de aterosclerose. Depois de dez anos de pós-menopausa, a grande maioria das mulheres já desenvolveu essa doença, e utilizar estrogênio nesse momento tem um efeito inflamatório, aumentando a chance de ruptura da placa e o risco de infarto e AVC. Por outro lado, caso o início do uso do estrogênio aconteça antes do estabelecimento da placa, ele vai ter um papel protetor, impedindo o desenvolvimento da placa e diminuindo a chance de doença cardiovascular. 

O outro ponto é o câncer de mama, que hoje eu acho que é o principal receio. O estrogênio não é carcinogênico, ele não gera câncer. O que pode acontecer é ele estimular a proliferação de células doentes já existentes na mama. O estrogênio tem o papel de proliferar o tecido mamário. Então, se eu der estrogênio, vou estimular o crescimento dessas células na mama. Caso já exista uma célula doente, vou acelerar a evolução do câncer — é o efeito chamado de carcinocinético

Em dez mil mulheres na faixa de 50 anos que não fazem terapia de reposição hormonal, costumam ocorrer cerca de 30 casos de câncer de mama por ano. Com terapia de reposição hormonal, esse número passa a ser 37. Ou seja, há um acréscimo de sete casos por ano em dez mil mulheres avaliadas. É um aumento, mas ele é pequeno. É isso que a gente tem que pôr na balança do risco quando compartilhamos a opção de realizar ou não terapia hormonal.

RA: Essas células que eventualmente podem virar câncer e que podem ser estimuladas pela terapia hormonal são detectáveis? 

MS: Você não tem um screening para identificar aquela única célula que pode trazer problema. O que você tem hoje são estudos genéticos, feitos para identificar ou definir grupos de maior risco. Uma pessoa pode ter o gene, mas não expressar e não ter o câncer de mama. Se uma paciente te disser que todas as parentes dela de primeiro grau tiveram câncer de mama, provavelmente ela é uma candidata a ter câncer de mama. É uma paciente de risco. Para ela, fazer terapia de reposição hormonal talvez seja mais complicado. Os benefícios precisam valer a pena para correr o risco. 

RA: Por que o SUS não cobre a terapia de reposição hormonal?

MS: O seguimento é um pouquinho mais detalhado. Mas é claro que diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, essas e outras doenças que também demandam acompanhamento estão no SUS. Então, acredito que os possíveis efeitos colaterais geram um receio muito grande. O que havia antigamente, que era estrogênio conjugado, deixou de ser utilizado. Ele foi descontinuado e aí não entrou nada no lugar. Acredito que seja mais uma questão das sociedades médicas e associações da comunidade feminina se organizarem para ter essa opção no SUS. É inacreditável que um grande número de mulheres não tenha nenhuma opção de tratamento hormonal.