Sou feita de narrativas. Encanta-me o processo de construção, sem uma ordem que exija a materialidade da história, rumo ao ponto final. É pelo caminho que amarro os fios e, muitas vezes, desfaço a trama para recomeços.
Visitando o espaço que habito, andei em busca de uma referência que guardasse em si esse percurso de produção. Como visitante nova em ambiente já conhecido, propus-me a reinventá-lo em novas significações. Ali estava meu cesto de novelos de lã. Vinha de antigas grandezas, velhas matrizes de família, hábito que herdei, em meu projeto de ser tecelã.
Aprendi, em um momento de escolha, que ele valeria como Presente a quem pudesse recebê-lo, se mergulhasse comigo, em estrutura profunda, na polissemia do material a ser transformado em matéria poética. Confesso que, em tempo de ficcionalidade, o ritmo rege esse percurso, a romper latências para um vir a ser.
De tons amarelo mostarda, o novelo continha nuances que me punham em movimento. Apostei na textura da lã, a aguçar o tato de quem o tomasse em suas mãos. Em correspondência, à maneira de Baudelaire, outros sentidos aflorariam sinestesicamente. Havia um desejo incontido de tornar meu interlocutor um ser de poesia, a recompor os fios de suas velhas novas narrativas.
Nesse trabalho de desatar possíveis nós, eu ofereço meu Presente a quem possa descobrir comigo a insólita experiência de destecer, para recompor o material, com vistas a novos desafios e à espera. Ele leva parte do meu acervo, mas ainda há muito de meadas no cesto da minha infância. Caminhar às nascentes dos sentidos, sem chegar à ponta do novelo, é também lição de Kaváfis em sua Ítaca, um convite a fruir o meio de tantas viagens.
O melhor que tenho hoje a oferecer, portanto, partindo da minha CASA para o Outro – para os Outros –, é a certeza de que todo Presente leva a atemporalidade em sua matriz. Em uma perspectiva cubista, diante de tantos ângulos para olhar a cena cotidiana, há, em mim, um convite manifesto para não perdermos a beleza de Troia a Ítaca!