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#43MiragemCultura

Mirar retomada

por Jéssica Hipólito

Crista da região de Cross River, na Nigéria.

Há uns anos escrevi um texto sobre a primeira vez em que fui a um museu, ainda criança, com uns dez anos de idade. Agora lembro da última vez, poucas semanas atrás, em que estive em um. Vinte anos de diferença entre uma experiência e outra, e a sensação que tenho é que nesse período houve séculos, isso mesmo, séculos de mudanças e que, ainda assim, muitos outros precisam estar por vir.

Tenho o costume de pensar que museus me atraíram, numa primeira vez, pela falta. Seguem me atraindo mais pelas lacunas e entremeios. Tenho a suspeita de que isso provavelmente não vá mudar. Procurei e procuro por rachaduras nas paredes, tintas descascadas, quadros tortos e tacos soltos no chão. Procurei e procuro por quaisquer pistas que gritem que os chamados “Templo da Memória”, estes espaços dedicados à contemplação e fruição das artes, ciências e histórias, lugar-testemunho da história vivida do homem, escondiam, em seus vazios e silêncios, aquilo que mais queria ver.

Os primeiros museus brasileiros foram criados em meados do século XVIII, no contexto da vinda da Família Real Portuguesa, que, fugindo de Napoleão Bonaparte, traz consigo, para a então colônia, a biblioteca real, objetos raros, obras de arte, documentos e artefatos que darão origem à Biblioteca Nacional e ao Museu Real, posteriormente renomeado por Museu Nacional. Enquanto o Louvre, um dos primeiros museus modernos públicos data de 1793, o Museu Nacional tem sua fundação, ainda como Museu Real, em 1818. Assim, o primeiro museu brasileiro, não só é contemporâneo do museu mais conhecido do mundo, como teve em sua gênese a responsabilidade de ser o pilar da memória e da história de duas nações: uma consolidada como um dos maiores impérios marítimos da Europa; e a então colônia, elevada pelas circunstâncias, à sede monárquica de Portugal. 

Myrian Santos aponta, em Museus brasileiros e política cultural, que os primeiros museus brasileiros têm o caráter de serem instituições responsáveis pela preservação e disseminação da memória e identidade nacionais, mas que, ainda assim, muitos deles, deixam a desejar no que diz respeito ao compartilhamento da origem de seus acervos e coleções. Explicita ainda que, por anos, as críticas aos museus estavam pautadas na percepção desse espaço cultural como meio para disseminação de narrativas das elites e de histórias e memórias oficiais. 

O museu é elaborado como um espaço onde são materializados e reforçados, através de objetos, símbolos e narrativas, os ideais nacionais. Os acervos expostos são testemunhas materiais de uma história a ser contada sobre um passado nacional comum, em que se cria a ideia de uma unidade nacional na qual território, língua, simbologias e narrativas constroem a perspectiva identitária de uma nação. Quais objetos, narrativa e símbolos foram os selecionados como representativos dessa identidade nacional? Que elementos foram exaltados e quais foram suprimidos? Que ideia de nação e quais memórias foram selecionadas para construção narrativa do que era, ou mesmo deveria ser, o Brasil?

Todo processo de elaboração de museu é uma seleção, o mesmo ocorre com todo processo de elaboração da memória. Para além, vale deixar evidente que rememorar, lembrar, ou mesmo que a noção de memória esteja restrita a uma reelaboração ou revisita a um passado genuíno e que a memória seja compreendida apenas inserida numa perspectiva que se estabelece entre o lembrar e o esquecer. A memória é elaborada sob a lógica do lembrar e do esquecer no presente, em que o que lembramos e esquecemos está intrinsecamente relacionado às nossas vivências individuais e coletivas, aos meios sociais a que pertencemos e de que fazemos parte e, consequentemente, está intrinsecamente imbuída de parcialidades diversas. 

Por muito tempo, a noção de uma identidade nacional brasileira disseminada pelo espaço museal e no tecido social era baseada na perspectiva da formação de uma nação miscigenada e multicultural. Essa mesma ideia da miscigenação ainda é bastante presente nos discursos cotidianos, mas esconde toda a violência e a hierarquização orquestradas desde a colonização. Os diversos elementos indígenas e negros foram ou completamente apartados, ou incorporados à lógica nacional. Optou-se por abrasileirar aquilo que se convinha e a, propositadamente, esquecer o que não se convinha. Já as aproximações com as culturas europeias passam a ser exaltadas e difundidas. 

É preciso, então, que percebamos o espaço museal inserido num processo repleto de  construções discursivas selecionadas, que refletem determinadas realidades, evidentemente parciais, e que para servir também como espaço de reconhecimento, identificação e problematizações, precisa se colocar como passível de reflexões e contestações. 

A quem serve determinados esquecimentos? Quais construções narrativas foram e são elaboradas sobre história, memória, arte e cultura? É possível vermos hoje um movimento de retomada no espaço museal que possibilita sua reformulação, a insurgência de museus de cunho comunitário e socialmente engajados. A perspectiva decolonial, por exemplo, tem sido amplamente colocada como reflexão crítica-integrante em alguns espaços, muito devido a artistas contemporâneos indígenas e negros e na ocupação desse lugar de poder que são os museus, por equipes mais diversas e politicamente comprometidas com a transformação narrativa e estrutural desses espaços. Movimentos de repatriação de artefatos, obras de arte e objetos são cada vez mais frequentes, contestação de discursos cristalizados e monumentos históricos dedicados a colonizadores e demais opressores estão cada vez mais sendo colocados em cheque.

Achille Mbembe, em Políticas da Inimizade, dedica uma das suas reflexões à necessidade de pensarmos um Antimuseu, que rompa com os pressupostos eurocentrados, hegemônicos e racistas, que não comportam racialidades outras que não a branquidade; que, para existirem em completude nesse espaço e não como simulacro de si mesmas, memórias, histórias e narrativas historicamente marginalizadas, precisam de que o museu se torne o seu reverso.  Pensar antimuseu é utopia, aquilo que nos faz mover e movimentar. Antimuseu é miragem, é desejo. É preencher as lacunas, os vazios e trazer à tona os escondidos.

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