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#46Tempo VividoSociedade

O outro lado do etarismo

por Ana Claudia Quintana Arantes

A partir do olhar de quem vive o envelhecimento, o etarismo vem sendo reconhecido como um preconceito contra a própria vida, autoinduzido pela falta de confiança nas capacidades de desempenho físico, emocionais, papéis sociais e profissionais e até mesmo dentro da família. A pessoa que envelhece se percebe numa imensa responsabilidade individual para enfrentar a própria jornada de vida e refletir sobre isso ao mesmo tempo que enfrenta as adversidades decorrentes da passagem do tempo. Esse cenário acaba por ser fonte inesgotável de ansiedade e preocupação sobre se tornar inadequado ou julgado como ultrapassado no seu modo de pensar, se expressar e agir por causa da idade que o tempo revela. A pessoa que está há mais tempo viva, lúcida e consciente precisa se dar conta que tem muito mais chance de perceber-se em um momento único para descobrir a si mesma, com a capacidade de abraçar novas ideias e aptidões, e de ensinar aos mais jovens, trazendo novas perspectivas para todos. É também o momento para admirar as capacidades adquiridas ao longo do tempo e sentir-se verdadeiramente responsável por aquilo que contribuiu para alcançar os objetivos. O etarismo é um contexto sério que está aqui no nosso dia a dia para lembrar a toda a gente que a idade é apenas uma parte da pessoa e suas várias capacidades estão presentes ao longo da vida, propagando um novo significado à palavra maturidade. Por isso, é importante lembrar que a responsabilidade de se dedicar a estas novas capacidades não está só nos outros, e sim em cada uma de nós (aqui neste texto vou usar sempre como contexto o artigo feminino para denominar todos os seres humanos como “pessoas humanas”).

Mas vamos ao que interessa neste nosso encontro: preciso contar rapidamente que não estamos falando das “outras pessoas”. Abre o celular agora, liga a câmera, faz uma selfie. A foto que você vê é a de uma pessoa que está envelhecendo. Pode ter 20, 30 ou 70…se passou de hoje, chega amanhã mais velha. Diante da possibilidade real de viver seu envelhecimento, como você se sente? A maioria das pessoas parece não estar bem com esta ideia, mas a realidade do envelhecimento está ao nosso lado a cada dia que passa. Talvez fosse melhor que pudéssemos compreender este processo que acontece conosco e fazer parte desta decisão e não apenas escolher ser uma vítima do tempo.

No início do século passado, em 1900, nossa expectativa de vida ao nascer não passava muito longe dos 40 anos. Hoje, nossa vida pode encontrar muito mais sentido a partir dos 40 e 50 anos e aí sim, acreditamos que o melhor está por vir. O problema maior que nos ronda é que para chegarmos aos 80 ou 90 anos ou mais precisamos envelhecer. Dizem que a pessoa que vai viver 150 anos já nasceu. E aqui vem a pergunta que eu quero explorar: e se essa pessoa que vai morrer com 150 anos for você? Você vai viver tanto tempo fazendo o que? Aos 100 anos você vai sentir que está jovial e com muita disposição para recomeçar vida ao lado de alguém? Ou você vai estar na vida com a mesma pessoa que está ao seu lado agora? Tem amor que dure tanto para todo mundo? E o trabalho? Atualmente a aposentadoria é considerada em tempo adequado quando já vivemos algo em torno de dois terços da vida que poderia ter uma duração considerada ideal na opinião de muita gente. Morrer perto dos 90 anos hoje em dia já nos parece um bom momento de partir? Se o raciocínio se manter, permaneceríamos produtivos e ativos até os 100 anos e ficaríamos 50 anos na aposentadoria. Faz sentido você manter seu ritmo atual de trabalho por 100 anos? E se você não vê sentido no tipo de trabalho que tem, teria coragem de recomeçar a vida com um novo projeto aos 100 anos? 

Imaginamos que provavelmente você deve adoecer em algum momento, mas não se preocupe demais com isso, afinal a medicina está avançando bastante em habilidades de manter alguém vivo mesmo à custa de aparelhos. Talvez não tenha ninguém que possa sorrir feliz de imaginar ficar dependente por algumas décadas talvez.  E tomara que você já tenha uma resposta cheia de alívio quando pensar em quem vai cuidar de você. E agora pensa na pessoa que você vai cuidar quando ela adoecer aos 120 anos e viver com necessidade de amor, carinho e cuidados físicos por 30 anos. Isso sim é amor, não acha?

 O mérito (ou a responsabilidade) de envelhecer bem depende muito, eu diria até quase que exclusivamente das nossas escolhas de comportamentos internos e externos realizados a cada dia, a cada momento da nossa vida. Se uma pessoa for vista apenas sob o ponto de vista físico, dificilmente vamos ter um envelhecimento de sucesso. Diante deste engano, vemos as pessoas sendo escravizadas por regras abusivas de dietas, medicamentos, vitaminas e suplementos, além da crueldade da ditadura da beleza física permanente. Assim fica impossível chegar bem nem aos 40 anos, que dirá aos 80. Imagine então viver mais 70 anos depois dos 80 na escravidão desta manutenção de figurino e desempenho tentando parecer ter menos idade ou encaixado num padrão de beleza ou comportamento considerado adequado para os dias da sua idade? 

A realidade de viver mais de cem anos talvez não seja tão sedutora depois das perguntas difíceis que fiz. Perguntas inocentes que a minha inocência infantil ainda preserva como uma capacidade nata de saber perguntar o que ninguém tem coragem e perguntar. Só vai ser possível chegar com companhias boas em idades tão avançadas se a gente for capaz de respeitar e cuidar de cada parte da nossa existência e também da existência de quem nos transforma em pessoas felizes. Felicidade genuína vem das relações humanas e não de coisas que acumulamos por usar todo o nosso tempo trabalhando e sendo produtivos. 

Os avanços da ciência e da medicina têm papel indiscutível sobre a melhora da nossa expectativa de vida. Mas existe o lado B de tudo isso: parece que as pessoas menos comprometidas com a saúde passaram a acreditar que temos fórmulas mágicas que podem resgatar todas as atitudes erradas frente às escolhas sobre os cuidados com nosso corpo. Existe uma falsa proposta de que tudo o que fizemos de errado pode ser resolvido por remédios de última geração, vitaminas e soros milagrosos, plásticas e tratamentos estéticos caros e de risco muito maior do que os benefícios oferecidos. Só envelhece bem quem viveu em plenitude cada dia da sua vida. 

Não precisa ser alegria em plenitude, precisa ser um tempo de vida. E então vamos para a angústia de metas impossíveis de controle das emoções, treinamentos mentais exaustivos sobre afirmações positivistas, crenças e mitos sobre o uso abusivo e sem fundamento dos antidepressivos e remédios para ansiedade, vão levando as pessoas não ao conforto, mas sim a mais um sofrimento: a ditadura da felicidade ou da estabilidade emocional constante: uma escravidão permanente que priva as pessoas de simplesmente viver tudo o que a vida pode oferecer. Na maioria das nossas crises, temos condições emocionais de superação, mas não temos paciência para esperar o tempo de transformação. As pesquisas cada dia mais mostram que envelhecer de maneira socialmente ativa é muito favorável. Um estudo incrível feito na Universidade de Harvard mostrou que chegar ao fim da vida feliz depende quase que exclusivamente da qualidade das relações humanas que desenvolvemos ao longo de toda a vida. Gente boa, o que faz sentido na vida não é chegar longe, mas chegar junto. E não vai ter outro caminho para viabilizar esses encontros quase eternos que não seja através da nossa capacidade natural de cuidar e nossa determinação incansável de aprender a receber cuidados. 

Sigamos valentes e amorosos com nosso corpo, nossa mente, nossa existência. Façamos o mesmo com as pessoas que amamos. E vai ser fundamental que possamos também oferecer o mesmo respeito e amorosidade com a existência de outras pessoas que nem conhecemos. Nunca saberemos em qual momento a gente vai precisar de um ato de cuidado que pode salvar nossa vida. O etarismo visto por esse outro lado pode nos despertar para um novo caminho: transformar o abandono e o preconceito através de um movimento vital: a cultura do cuidado. Vamos envelhecer bem de mãos dadas e com atenção na estrada para não descer a ladeira muito rápido, combinado?

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