Tempo Vivido — Amarello 46
Com capa da artista alagoana Roxinha, a Amarello Tempo Vivido recebe a médica geriatra Ana Claudia Quintana Arantes como editora convidada, a fim de pensar novas formas de olhar para a passagem do tempo.
Em uma época em que o “novo” é frequentemente confundido com o “melhor” e os mais novos são mais valorizados do que aqueles com mais acúmulo de vida, o tempo vivido, aquilo que temos de tão precioso, passa a não valer muito.
Quando criança, me lembro de pedir para os meus pais convidarem os amigos deles para a nossa casa e ficar escutando as tais “conversas de adulto”. Adorava ficar no canto da sala, ouvindo por horas e horas aqueles papos, que, na maioria das vezes, fugiam da minha compreensão. Ainda que não os entendessem, eles tinham a capacidade de ganhar toda a minha atenção.
Penso que essa vivência despertou em mim o interesse por pessoas mais velhas, e, desde então, busquei naturalmente esse convívio. Tenho perto de mim pessoas que são 30, 40 anos mais velhas do que eu, e nelas deposito minha total confiança.
Hoje, aos 41 anos, percebo que conviver e ter convivido com pessoas com mais experiência me trouxe referência e esteio. No mundo em que vivemos, que percebe a dificuldade das pessoas de lidar com o seu reconhecimento interno e incita suas vulnerabilidades para que sejam mantidas consumidoras ativas, isso é imprescindível. É assim que se cria a resistência para perdurar numa cultura que vende o eldorado de se chegar bem e com saúde aos 100 anos de vida, mas que não está estruturada para ninguém que passe dos 70.
O tempo é a única coisa que temos. E se engana quem pensa que, quanto mais ele passa, menos o possuímos. O axioma deveria ser: o acúmulo dos nossos anos de vida faz com que sejamos mais de nós mesmos, e, no fim, nós mesmos é o que temos de mais precioso.