Fotos: Parfums Christian Dior
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Aromas e sentimentos: Nose e as fragrâncias Dior

“O perfume é sobre relacionamentos”, diz o perfumista François Demachy no documentário Nose. “Sempre há uma conexão humana”.

François Demachy. Reprodução

O filme é uma produção encomendada pela Parfums Christian Dior e agora está disponível para streaming na Apple TV. A figura central é o maravilhoso processo criativo por trás de alguns dos aromas mais icônicos do mundo e, claro, a pessoa por trás deles, o renomado Demachy. Criador de perfumes da Dior desde 2006, Demachy tem um currículo que inclui fragrâncias de sucesso para marcas como Chanel, mas seu trabalho na Dior abrange algumas das maiores franquias da famosa casa francesa. Como mostrado no documentário, ele é conhecido pela dedicação tocante ao trabalho, desde misturar notas em seu laboratório até sujar as mãos nos campos de flores e instalações de produção onde essas notas começam sua jornada do solo para a garrafa.

Já de partida, o filme oferece algo que vimos poucas vezes: um aprofundamento nos complexos meandros por trás das produções de perfume. Como tantas outras coisas, os perfumes acabam não ganhando muito a nossa atenção diária, ainda que usemos um frasco com frequência. Quais são as histórias por trás daquela combinação? Por que esse cheiro e não aquele? De onde vêm esses aromas que têm tanto poder?

Seguindo Demachy ao longo de dois anos, o filme revela sua incansável busca pelos ingredientes perfeitos, desde jasmim e bergamota até patchouli, em locais tão diversos quanto a Indonésia e a Itália. Clément Beauvais, diretor do filme, destaca a determinação de Demachy, descrevendo-o como um “perfumista viajante” disposto a explorar os cantos mais remotos do mundo em busca da excelência.

O que o filme tem de mais interessante é o fato de que as jornadas de Demachy em busca do perfume perfeito não se limitam aos glamourosos tapetes vermelhos ou às lojas de perfumes de luxo. O filme captura momentos menos romantizados, como a meticulosa mistura de notas aromáticas em seu laboratório e as cenas rústicas de trabalhadores agrícolas colhendo flores à mão. Esses instantes revelam a complexidade e a paixão que o perfumista investe em sua arte, oferecendo uma visão autêntica do mundo da perfumaria.

A capacidade do filme de revelar essas cenas menos glamorosas, enquanto fornece uma espécie de introdução para os não iniciados por meio de comparações úteis com composição musical, vinificação e um rápido desvio para uma oficina de katana em Tóquio, lhe confere um apelo mais amplo. São os momentos menos “elevados” que ficam com a gente, como trabalhadores destilando óleo perfumado em grandes tanques industriais e agricultores colhendo flores à mão em campos aparentemente intermináveis. Nada é tão elucidador quanto essas sequências que estabelecem a complexidade, e a beleza, da perfumaria. 

Em um misto de cinebiografia e publicidade requintada, Nose consegue também, ao menos em algum nível, descentralizar o holofote, reconhecendo que Demachy é apenas uma parte de uma equipe maior que contribui para a criação de cada fragrância. Se ele é o gatilho de muitos processos, a mão na massa que faz acontecer não é a dele. Em Grasse, o berço da perfumaria no sul da França, o próprio perfumista defende o legado das fazendas locais e destaca a herança centenária da região. Ainda que não fuja absolutamente da mística de seu personagem principal, o filme destaca a importância do savoir-faire tradicional.

A colaboração e o respeito são valores fundamentais que refletem a visão de Demachy sobre a perfumaria como uma forma de arte que une as pessoas. Uma fragrância é uma evocação de uma memória, uma experiência e um momento no tempo. E a busca de Demachy pela fragrância perfeita lhe confere uma aura quase divina. Ao proporcionar sua visão intimista, tal qual um aroma transcendental, Nose atinge além do nariz e revela a verdadeira essência por trás das fragrâncias mundialmente reconhecidas da Dior, além de nos fazer pensar sobre os processos que envolvem outras marcas. 

Se os perfumes são “sobre relacionamentos”, como diz Demachy, então nada como ver as entranhas dessas conexões.