Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
Brasa, série fotográfica de Gleeson Paulino, gentilmente cedida para a edição O Homem: Amarello 15 anos. Todos os direitos reservados.
#51O Homem: Amarello 15 anosCultura

A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual de identidade coletiva

por Trudruá Dorrico

A Literatura Indígena Contemporânea no Brasil é um movimento estético-político protagonizado pela identidade indígena. A identidade indígena é originária, ancestral, e reside nos corpos de nossos antepassados, de nossos povos, os primeiros que caminharam sobre esta terra, muito antes de os brancos existirem aqui, como disse o cacique Raoni Metuktire.

“Até a Constituição Federal, em 1988, o país não aceitou a possibilidade de a identidade indígena ter direitos legais”

A conjuntura política, colonial e republicana, como mostrou Maria Santos e Guilherme Felippe, foi escravocrata e repressiva com os povos originários. Essa sistemática violência física impossibilitou a expressão indígena na literatura brasileira, mas não impediu que os escritores brasileiros usassem as referências de corpos e tradições originários a partir de seu espelho colonial. A literatura brasileira acompanhou o projeto de Estado-nação que visava dar cabo dos povos indígenas para apropriar-se de suas terras e direitos. Ambos os projetos, indianista e modernista, colaboraram para recrudescer políticas indigenistas que atacavam a humanidade, a identidade e o direito à cidadania indígena.

As políticas de extinção dos povos indígenas foram executadas em primeiro lugar em nome de Deus. Os missionários jesuítas, e outros, vieram com a missão simbólica de salvar a alma indígena, mas não só. Paradoxalmente, a retórica da salvação, diz Walter Mignolo, na obra A ideia de América Latina: a ferida colonial e a opção decolonial, vem acompanhada de apropriações de grandes extensões territoriais, genocídio e escravização. Não foi diferente aqui. Num segundo momento, houve o ataque à identidade indígena por meio da política conhecida como “integração”, ensejada sobretudo a partir de 1910, com a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, agência estatal que ficaria conhecida como SPI e seria substituída, em 1967, pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). As publicações brasileiras acompanharam o pano de fundo político sobre o qual versava o Estado.

Nesse sentido, é importante perceber que os povos indígenas têm direito à sua identidade originária, que é anterior à identidade do Estado-nação brasileiro. E se os sujeitos indígenas a endossam tão veementemente é tão somente porque ela só pôde ser afirmada há 35 anos. Importante lembrar também que o Brasil ainda é um Estado-nação, isto é, que defende uma identidade apenas, apesar dos 305 povos indígenas existentes e reconhecidos nacionalmente.

Vou explicar brevemente a lógica da identidade nacional. Quem nasce no Estado brasileiro, para existir como pessoa jurídica, como sujeito de direito, deve ser registrado pelos responsáveis. Esse primeiro documento, o registro de nascimento, dá uma certidão ao sujeito. Mais tarde, ele poderá retirar com ela o Registro Civil, o Cadastro da Pessoa Física (CPF), a Carteira de Trabalho, entre outros documentos, todos servindo a seus direitos, mas também deveres legais de acordo com a conjuntura jurídica estabelecida no país. Quem nasce no território brasileiro, em qualquer um dos 26 estados ou na capital federal, automaticamente possui a cidadania brasileira. A rigor, quem possui a cidadania também compartilha da identidade brasileira, pois está num território reconhecido como o Estado-nação Brasil, no qual território, nação e identidade se identificam como brasileiros. Porém, os povos indígenas já estavam nesse território antes mesmo de ele se chamar Brasil e de ter suas atuais configurações.

Até o advento da Constituição Federal, em 1988, o país não aceitou a possibilidade de a identidade indígena ter direitos legais, e por isso decretou a “integração”. Acusando os indígenas de primitividade e selvageria, ele se empenhou em extinguir a identidade nativa. Para existir aqui, era preciso dominar os costumes e as ferramentas do homem branco. Além disso, um documento da FUNAI decretou o fim dos (poucos) direitos indígenas, que passariam a viver apenas sob o guarda-chuva dos direitos brasileiros, como podemos ver no Estatuto do Índio, de 1973. Assim, os indígenas deixavam simbolicamente de existir para o Estado brasileiro. Isso significava que o indígena era visto como alguém que tinha evoluído de primitivo/selvagem para cidadão brasileiro/integrado, e agora podia, assim, trabalhar como qualquer outro cidadão.

É por isso que não vemos um movimento literário de escritores indígenas antes da década de 1990 — pois existir e ocupar outro ofício na sociedade dominante teria significado a derrocada da identidade indígena. Os intelectuais, políticos e ativistas indígenas, enquanto movimento político, já vinham enfrentando tais políticas de extinção desde a década de 1970. Essa resistência ficou conhecida como Movimento Indígena, que teve como êxito a assinatura dos direitos indígenas no artigo 231 e 232 da Constituição Federal de 1988.

A publicação editorial de obras indígenas, isto é, de autores indígenas, a partir da década de 1990, viria confirmar a urgência em protagonizar a identidade indígena, pois nela residia memórias e histórias ancestrais, evidenciando-se os conflitos territoriais ensejados pela sociedade dominante, o presente histórico dos povos ocultado sob falsas premissas, as estéticas presentes nas culturas e nas narrativas originárias e o paradigma indígena assentado na floresta, que ressaltaria a urgência da proteção ambiental em nível global.

Autoria individual, identidade de povo

Segundo a Bibliografia das publicações indígenas do Brasil, há 58 escritores indígenas listados, classificados em suas respectivas identidades de povos. Isso porque ser indígena é se reconhecer e ser reconhecido como pertencente a um povo originário, chamado de pré-colombiano, isto é, com existência anterior aos brancos nestas terras.

Quando os indígenas se veem em confronto direto com a sociedade dominante, resultado da configuração colonial do século 16 em diante, eles buscam ferramentas para lutar pela sua cultura e por seus territórios. Dessa maneira, vimos surgir, no cenário brasileiro editorial, Daniel Munduruku, Kaká Werá e Olívio Jekupé na década de 1990. E, na década subsequente, Eliane Potiguara, Tiago Hakiy, Yaguarê Yamã, Roni Wasiry Guará, Graça Graúna, entre outros. A publicação editorial, além do surgimento em segmentos culturais, desmistificaria todo o sistema da “integração” construído para negar a identidade indígena.

Com suas identidades de povos originários, os sujeitos indígenas inauguraram outro movimento, na cultura, que Daniel Munduruku chamou de “indígenas em movimento”, isto é, a atuação individual em ofícios negados a eles pelo Estado brasileiro, que são de ordem de direitos humanos básicos: com a nova legislação, podiam ser escritores, cantores, professores, artistas visuais, pintores, contadores de histórias, ou seja, atuar na sociedade dominante sem que isso lhes tirasse a identidade indígena legalmente. Essa atuação informou a sociedade da existência indígena a partir de outro olhar que não o da integração, mas do pertencimento e da celebração da identidade de muitos povos que sempre existiram aqui.

A atuação dos sujeitos indígenas no ofício de escritor não pode ser confundida como uma representação política. É preciso entender que toda sociedade indígena possui seus próprios mecanismos de representação política e que um indígena escritor que atua na sociedade dominante, escrevendo e publicando livros, embora tenha uma identidade coletiva, faça parte do povo cujo nome carrega o nome. A identidade em seu existir no mundo e em seus livros não substitui as lideranças políticas do cacique (em alguns casos, o nome é intitulado tuxaua), do vice-cacique e do secretário que atuam na defesa do território e das comunidades. Acredito que o termo mais apropriado seja representatividade, ao pensarmos como a presença de um indígena no mercado literário — no caso do escritor Daniel Munduruku, através da promoção de concursos literários que incentivam a literatura indígena no país — repercute na autoestima dos indígenas, sobretudo os jovens que passaram a crescer com uma referência, algo que a geração da década de 1990, como é o meu caso, não viveu.

As poéticas indígenas são ancestrais e cantam a terra, a pluralidade de seres humanos e não humanos que habitam a floresta, os cosmos e os universos. Mas não só: cantam, contam ou escrevem sobre a soberania violada, denunciando a história do Império colonial que nos subtraiu o direito de determinarmos nosso próprio destino. Assim, é ancestral e histórica concomitantemente.

Por tudo isso, reafirmamos a reivindicação pela nossa soberania e nossa autodeterminação. Que seja reconhecido o nosso direito originário de determinarmos nosso próprio destino, que a nossa escrita e as nossas expressões sejam reconhecidas como humanas, em todas as complexidades que isso envolve, e que o Brasil possa ponderar sobre a sua história sem parcialidade predominante.

Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

Mas tudo mudou

#15 Tempo Cultura

por Vanessa Agricola Conteúdo exclusivo para assinantes

Dois e dois são dois: Suze Piza e Lindener Pareto

#43 Miragem Cultura

Identidade e território: conexão ancestral e espiritual com a terra

#51 O Homem: Amarello 15 anos Cultura

por Márcia Kambeba Conteúdo exclusivo para assinantes

Lego >> Louisiana

#8 Amor Arte

por Maru Scatamacchia Widden Conteúdo exclusivo para assinantes

O fim do fim da História

#49 Sonho Sociedade

por Rafael Kasper Conteúdo exclusivo para assinantes

América

#21 Solidão Arte

por Willian Silveira Conteúdo exclusivo para assinantes

Storytelling

#4 Colonialismo Arte

por Theo Firmo Conteúdo exclusivo para assinantes

Comer ou ingerir? A alimentação na era do insaciável

#52 Satisfação Sociedade

por Revista Amarello Conteúdo exclusivo para assinantes

Amarello Visita: Petit H

#27 Perspectivas Amarello Visita

por Tomás Biagi Carvalho

As Linhas de Desejo

#32 Travessia Arquitetura

Adupé Obaluaê

#37 Futuros Possíveis Arte

por Gil Alves

A Noite das Estrelas está, esteve e sempre estará aqui

#45 Imaginação Radical Cultura

por Wallace Lino

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.