
O design pode realmente mudar o mundo?
O design sempre transitou entre o prático e o simbólico, entre a solução de problemas e a expressão de identidades. Mas é possível que ele também se torne uma atitude e, impulsionado por uma missão, seja transformado em uma ferramenta efetiva em prol de um mundo melhor? Se sim, quando e como exatamente isso acontece?

Alice Rawsthorn, autora e crítica britânica, propõe e expande essas reflexões em seu livro Design como Atitude. Na obra, defende que o design, longe de se limitar à esfera profissional, está presente em respostas instintivas e criativas a desafios sociais, políticos e ambientais. Essas respostas, aliás, estão tão relacionadas às questões que tocam presentemente o mundo que o trabalho, originalmente lançado em 2018, passou por uma recente revisão da autora, que chegou até a escrever um novo capítulo para dar conta das problemáticas mais recentes que assolam o planeta. “O design é uma força onipresente em nossas vidas”, diz ela, ponderando sobre a motivação para reavaliar os próprios textos, “portanto, seus desafios são os desafios do nosso tempo. Uma das muitas razões pelas quais adoro escrever sobre design é que ele está em constante mudança, pois responde a novos fenômenos, me obrigando a reavaliar constantemente meu pensamento.” A nova edição, que conta com conteúdo revisado e textos adicionais, foi lançada pela editora Ubu neste ano.

O conceito de design atitudinal começa a ser explicado por Rawsthorn com László Moholy-Nagy (1895-1946), artista húngaro que via o design não apenas como uma prática técnica, mas como um compromisso de intervir no mundo de maneira engenhosa. Pelo prisma de László, que estruturou alguns preceitos seminais em seu Vision in Motion, a coisa toda iria muito além da estetização de objetos ou da otimização de processos industriais — esses seriam somente os primeiros passos em uma direção mais ambiciosa. Sendo um dos pais do conceito, uma de suas frases gerou o título do livro: “Fazer design não é uma profissão, é uma atitude.”
Tomando os exemplos que a própria autora usa, o design atitudinal se manifestaria, por exemplo, em projetos que enfrentam a poluição plástica nos oceanos, como o The Ocean Cleanup, uma organização holandesa sem fins lucrativos que visa enfrentar a poluição ao remover lixo plástico de rios e oceanos, ou em iniciativas como a Sehat Kahanique (“Relatório de Saúde” em urdu), que usa telemedicina para conectar mulheres médicas paquistanesas a pacientes de regiões carentes.
Para Rawsthorn, a interseção com outras áreas é um sinal de vitalidade. “O design sempre teve uma relação ambígua com a arte e a tecnologia. Agora, ele também se confunde com a ciência social e a política”, observa. Ao longo do livro, os textos exploram como o design atitudinal se manifesta na prática, por meio de projetos que, tal qual o holandês e o paquistanês, utilizam inovação e tecnologia com objetivos altruístas, além de seu papel como ferramenta de resistência e transformação. Sob essa ótica, o design emerge como um poderoso meio de empoderamento, oferecendo soluções inovadoras para as comunidades e indivíduos que buscam superar seus desafios.
Mas, se o design pode ser tudo, ele ainda é design? Não seria ativismo, filantropia, ou o que quer que seja? De acordo com a autora, “vivemos em uma cultura porosa, onde todas as disciplinas se intersectam de alguma forma, incluindo o design. No entanto, o design se beneficia por ter uma missão, função e identidade claramente definidas como um agente de mudança, capaz de garantir que transformações de qualquer tipo—sociais, políticas, culturais, científicas, tecnológicas ou ambientais—sejam interpretadas de maneira a nos impactar positivamente, em vez de negativamente.”
Design como Atitude discute como designers de diferentes áreas estão assumindo posturas atitudinais e redefinindo os limites da profissão. Lançando mão de outro exemplo citado no livro, os designers africanos têm desempenhado um papel importante no desenvolvimento de dispositivos médicos acessíveis, como o Cardiopad, um monitor cardíaco criado por Arthur Zang que permite que pacientes em regiões remotas recebam diagnósticos à distância. Da mesma forma, o coletivo Forensic Architecture usa ferramentas de design para reconstruir eventos e ajudar na investigação de crimes contra os direitos humanos. Ambos os casos demonstram que o design, em sua forma mais ampla, está se tornando cada vez mais um agente político e social.
Da maneira como o diapasão do capitalismo vibra, porém, há a possibilidade que, com frequência, isso seja usado pelas empresas com os propósitos errados, meramente de forma simbólica e visando uma boa reputação, ou então que partam de pressupostos que nem sempre estejam no caminho mais certeiro. Quando ocorre, os danos são significativos. “Sempre existe o risco de fenômenos relativamente novos, como o design atitudinal, serem usados de forma simbólica”, explica Rawsthorn. “Isso é perigoso, pois esses projetos raramente funcionam, o que pode minar a confiança no design atitudinal. Por isso, é fundamental que os designers atitudinais aceitem que, à medida que seu trabalho se torna mais ambicioso, as consequências do fracasso serão muito maiores. Da mesma forma que cada projeto atitudinal inteligente e bem elaborado representará um avanço, cada falha mal planejada será um retrocesso.”
Em tempos de crises climáticas e sociais, a expectativa de que o design desempenhe um papel transformador é cada vez maior. Mas até onde vai essa responsabilidade? É mesmo positivo que designers sejam chamados a resolver problemas que antes eram vistos como políticos, econômicos ou mesmo filosóficos?
“Um dos principais benefícios do design atitudinal é que ele libera os designers das restrições impostas a eles na era industrial, quando o design era predominantemente um fenômeno comercial, executado sob a orientação de outras pessoas, fossem empregadores, clientes ou qualquer outro. O design atitudinal rompeu com esse modelo. Ele é um produto dos avanços da tecnologia digital, que proporcionaram aos designers ferramentas poderosas — para captação de recursos, comunicação, gestão de dados, alcance global e muito mais — permitindo que escolham atuar de forma independente e sigam seus próprios objetivos humanitários, políticos ou ecológicos. Trata-se de um complemento ao design comercial, e não de um concorrente.”
Um aspecto central do design atitudinal é a sua relação com a inclusão e a diversidade. Rawsthorn aponta como a tradição do design sempre foi dominada por homens brancos ocidentais, e como isso moldou suas direções e prioridades. A maior abertura a outras vozes pode redefinir não apenas o que se projeta, mas quem projeta. É uma ideia bonita, mas, de novo, com a selvageria do capitalismo diante de nós, é difícil não ter certo ceticismo. O mercado e as instituições estão mesmo dispostos a abraçar essas mudanças?
Sendo realista, a autora responde: “Não vejo isso como uma questão de design comercial versus design atitudinal, mas sim como uma expansão da prática e das possibilidades do design, tornando-o mais eclético e aberto, abrangendo tanto o setor tradicional e comercial do design da era industrial quanto os projetos de design social, político, humanitário e ecológico promovidos pelo design atitudinal. Em teoria, o design comercial deveria se beneficiar dessa expansão, pois mais pessoas com habilidades, redes e agendas diversas passarão a se envolver com o design. Além disso, muitas das questões centrais abordadas pelo design atitudinal, como inclusão e ambientalismo, estão se tornando cada vez mais relevantes para o setor comercial.”
O design como atitude está em plena expansão, e seu sucesso dependerá menos de definições teóricas e mais da capacidade de seguir gerando respostas inovadoras para os desafios do nosso tempo. E esses desafios não param de surgir — o que, para bem ou para mal, apenas reforça o peso da responsabilidade por trás dessa abordagem.
“Revisei o texto de Design como Atitude a cada reimpressão e nova edição, adicionando novos textos sobre desafios globais emergentes, como as crises humanitárias causadas pela Rússia na Ucrânia e por Israel em Gaza, além de novas análises de desafios preexistentes que se agravaram. Pegue a crise global de refugiados, por exemplo. Quando a primeira edição foi publicada em 2018, a ONU estimava que havia 70,8 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo. Na época, isso já parecia horrível, mas, de forma ainda mais alarmante, no ano passado esse número chegou a 125 milhões, tornando o desafio do design para cuidar dessas pessoas ainda maior.”
Se por um lado ele amplia o alcance da prática do design, por outro demanda um compromisso maior. E uma coisa é fato: com tantas questões urgentes, sua efetividade será testada, assim como seu verdadeiro potencial de transformação. O design atitudinal não pode se dar ao luxo de adiar a prova de seu valor — e o mundo, sabemos, não tem tempo a perder.