Skip to content
Revista Amarello
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Entrar
  • Newsletter
  • Sair

Busca

  • Loja
  • Assine
  • Encontre
Jardim, de Lucas Rubly (2024).
#52SatisfaçãoCultura

I can’t get no satisfaction

por Helena Cunha Di Ciero

Foi preciso muitos anos para entender o que Mick Jagger cantava nessa canção. Trata-se de um grito de desespero de alguém que nunca está satisfeito, sempre em busca, numa atitude voraz que o consome, aprisionado num movimento repetitivo, uma busca extremamente angustiante, que não leva a nenhum lugar. Mas é também sobre alguém que não desiste de tentar…Cause I try, and I try… Foi preciso envelhecer para me dar conta de que essa canção tinha muito menos a ver com prazer do que eu imaginava, embora o rebolado de Mick Jagger permaneça tão hipnótico que quase esconde a dor da letra para o ouvinte distraído por hormônios.

Quando mocinha, achava que, para ser feliz, precisava da festa mais cheia, do maior número de amigos, do corpo perfeito e indefectível, da praia mais distante, do constante agito, do excesso. Na juventude, ficamos presos a um ideal que empobrece o que a realidade nos traz. O presente é sempre insatisfatório e parece que o futuro sempre guarda um “a mais” que o hoje não tem. O júbilo da juventude carrega um imposto, uma espécie de maldição, uma fome e uma voracidade de ter tudo, que mais nos afasta de um tempo tão precioso do que de saboreá-lo. Acredito que, quando jovens, estamos mais preocupados com a euforia do que com a alegria, e confundimos esses dois estados. Tudo é muito, ao mesmo tempo em que nada é o bastante. Essa inquietude, essa energia dos primeiros tempos da vida, é importante, mas tem data de validade. Enquanto escrevo, me ocorre a pergunta: de validade ou finalmente de libertação?

Na obra Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911), de Freud, este descreve a dinâmica da relação entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, estruturas fundantes de nosso psiquismo. Em resumo: nossa existência se dá nessa dualidade. O princípio do prazer está relacionado ao impulso de buscar a satisfação imediata e evitar a dor, refletindo os desejos primitivos do id. Essa parte da personalidade opera de forma impulsiva e busca gratificação instantânea. Por outro lado, o princípio da realidade surge como uma necessidade de lidar com o mundo externo. Ele representa a capacidade do ego de adiar a gratificação e buscar soluções mais realistas e sustentáveis. Dessa forma, o ego atua como um mediador, equilibrando as demandas do id a critério da realidade.

A eficácia do ego em regular os impulsos do id permite que o indivíduo funcione favoravelmente na sociedade, adaptando-se às situações e necessidades do ambiente. 

Existem buscas de satisfação que muitas vezes não confessamos nem a nós mesmos: elas provocam vergonha, são consideradas menos civilizadas, envolvem sentimentos que não são bem aceitos e podem ser mais brutais, gerando culpa, medo e inveja. Embora essas buscas de satisfação nos impulsionem, nem sempre conseguem ser abertamente expressas. Frequentemente, é necessário reprimir certos sentimentos para manter as escolhas que fazemos. Por outro lado, quanto mais reprimimos, mais intensa se torna a vontade de realizá-las. Nossos instintos tendem a ser persistentes e obstinados, e essa luta causa sofrimento. Assim, essa batalha constante gera uma tensão intensa: de um lado, a necessidade de satisfação; do outro, as regras, a moral e nossas decisões.

A busca pela satisfação surge de uma parte poderosa dessa psique inconsciente chamada id, que está em conflito com outra instância que exerce a censura, conhecida como superego. Este é igualmente forte e representa internamente a moralidade, as leis e os valores familiares. A civilização tenta controlar nossas buscas de satisfação, moderando tanto as sexuais quanto as agressivas, a fim de estabelecer certa ordem que proteja a humanidade de seus próprios instintos. Apesar das falhas da sociedade, o ser humano depende dela para se organizar de maneira relativamente eficaz.

O singelo filme Dias perfeitos, de Wim Wenders, traz essa oposição: um personagem jovem, cheio de planos, esfomeado, sempre apressado, e outro, num estado mais pacífico, mais contemplativo, que saboreia as pequenas coisas, que brinca com a sombra numa noite fresca, que sente o ar batendo no rosto quando pedala sua bicicleta no pôr do sol e que realmente escuta as canções, sua melodia, numa fita-cassete e não pula apenas para as faixas favoritas. Fiquei pensando se esses dois personagens não seriam a representação desses dois estados, um de um primeiro tempo da vida e outro já de um segundo, negociando com seus cabelos brancos, com dias mais simples, mais rotineiros, mas vívidos, com mais inteireza. 

Um dos maiores presentes que ganhei conforme o relógio do tempo correu foi aprender a me satisfazer com menos. Não preciso mais da melhor praia; basta que esteja limpa e não muito cheia para que eu possa me refrescar no banho de mar e sentir o prazer de caminhar descalça na areia. Hoje, troco feliz uma festa barulhenta por um café da manhã sem dor de cabeça e ressaca moral. Vejo meus filhos com saúde, podendo ir à escola, crescendo, brigando, rindo. Tenho o privilégio de trabalhar com o que amo. Chego em casa cansada, mas com a certeza de que produzi. Um livro em silêncio conversa mais comigo do que jantares lotados em restaurantes. Atualmente, uma mesa de bar é muito menos atraente que um bom filme. Troco, num piscar de olhos, uma festa cheia de desconhecidos por uma conversa de intimidade numa caminhada. Gosto de sair de encontros com a alma cheia e não esvaziada, e por isso escolho quem quero encontrar. Percebi que borboletas no estômago são deliciosas, mas a tranquilidade de amar e ser amada me faz dormir tranquila e sem angústia. E pronto, sou feliz. O que não significa que estou feliz sempre, mas que sou contente, no sentido de conter aquilo que possuo, de sentir que é meu, que me cabe e que me pertence. Por isso, cuido, zelo, protejo. Reconheço que aquilo que tenho me pertence por um tempo limitado, e por isso tenho urgência.

Depois dos quarenta, algumas perdas surgem, o corpo já não reluz colágeno, pessoas partem de nossas vidas, alguma saudade permanente nos acompanha, a fome do id foi saciada em alguns momentos, mas em outros teve de ser calada, sublimada, ressignificada e finalmente elaborada.

Outro dia, ouvindo um podcast sobre o tema, os apresentadores diziam que antes dos quarenta a gente só ganha da vida. E que, depois disso, começa a fase da barganha, da negociação perante as perdas. Achei bonito pensar que, a partir daquilo que perdemos, podemos finalmente ganhar, no sentido de usufruir e aproveitar. Essa negociação com o que sobra nos mostra que certas belezas se revelam a partir das fendas e das partidas. Cresci e apareci com aquilo que perdi. Apareci para mim mesma. E, finalmente, fiquei mais contente. Hey hey hey, that’s what I say.

Compartilhar
  • Twitter
  • Facebook
  • WhatsApp

Conteúdo relacionado


Sonhos não envelhecem

#49 Sonho Cultura

por Luciana Branco Conteúdo exclusivo para assinantes

O Polochon de Lina Bo Bardi

Arte

Meditação, sexo, política, grana

#30 Ilusão Cultura

por Thiago Blumenthal Conteúdo exclusivo para assinantes

Vestir-se da vida

#2 Nu Crônicas

por Nuria Basker Conteúdo exclusivo para assinantes

Os outros

#22 Duplo Cultura

por Ananda Rubinstein Conteúdo exclusivo para assinantes

Calder & Miró: quando a leveza e a brutalidade criam laços

Arte

à orla do mundo

#50 Família Literatura

por zênite astra Conteúdo exclusivo para assinantes

Qual é a alternativa a envelhecer?

#46 Tempo Vivido Moda

por Vânia Goy Conteúdo exclusivo para assinantes

Miragens do Brasil

#43 Miragem Cultura

por Jessé Souza

Amor imenso

#8 Amor Arquitetura

por Tomás Biagi Carvalho Conteúdo exclusivo para assinantes

Mas tudo mudou

#15 Tempo Cultura

por Vanessa Agricola Conteúdo exclusivo para assinantes

Do barro ao corpo: A experiência feminina na cerâmica

#47 Futuro Ancestral Artes Visuais

por Bruno Albert

Puérpera e as dimensões do feminino

Arte

por Revista Amarello

  • Loja
  • Assine
  • Encontre

O Amarello é um coletivo que acredita no poder e na capacidade de transformação individual do ser humano. Um coletivo criativo, uma ferramenta que provoca reflexão através das artes, da beleza, do design, da filosofia e da arquitetura.

  • Facebook
  • Vimeo
  • Instagram
  • Cultura
    • Educação
    • Filosofia
    • Literatura
      • Crônicas
    • Sociedade
  • Design
    • Arquitetura
    • Estilo
    • Interiores
    • Mobiliário/objetos
  • Revista
  • Amarello Visita

Usamos cookies para oferecer a você a melhor experiência em nosso site.

Você pode saber mais sobre quais cookies estamos usando ou desativá-los em .

Powered by  GDPR Cookie Compliance
Visão geral da privacidade

Este site utiliza cookies para que possamos lhe proporcionar a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.

Cookies estritamente necessários

O cookie estritamente necessário deve estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.

Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que sempre que visitar este website terá de ativar ou desativar novamente os cookies.