O termo low profile ganhou as redes recentemente. Ele se refere àquelas pessoas que fazem poucas publicações e/ou usam as redes sociais com uma baixa frequência por vontade própria. Sabemos que os brasileiros são campeões em passar tempo conectados às redes sociais: a consultoria alemã Statista realizou uma pesquisa que mostrou o Brasil como o segundo país que mais utiliza o TikTok, ficando atrás somente da China, país de origem do aplicativo. Pesquisas mostraram também que a pandemia da covid-19 acelerou a digitalização: várias pessoas passaram a estudar e trabalhar em suas próprias casas.
Analisando esses dados e contextos, parece que todos os brasileiros têm acesso à internet, porém, o estudo do Instituto Locomotiva e da consultoria PwC identificou que 33,9 milhões de pessoas estão desconectadas, e 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias. Esses grupos são formados principalmente por pessoas negras, que estão nas classes C, D e E e que são menos escolarizadas. Em 2019, cerca de 4,3 milhões de estudantes brasileiros não tinham acesso à internet por diversos motivos, entre eles a falta de dinheiro para contratar uma prestadora de serviço ou até mesmo de comprar um aparelho adequado.
Quando questionamos o fato de uma pessoa não existir pelo fato dela não ter presença online, precisamos questionar o que é a presença online. É compartilhar momentos pessoais? É criar conteúdo? É compartilhar músicas?
Atualmente, tudo está sendo digitalizado ― carteira de identidade digital, cardápio via QR Code, pagamento via PIX ―, trazendo praticidade para o dia a dia, mas é importante entendermos que ter acesso à tecnologia, conseguir pagar uma conta via PIX, ir ao restaurante e conseguir acessar o QR Code não é a realidade de muitos brasileiros. Infelizmente, ter acesso à internet ainda é um privilégio, e a pandemia deixou isso escancarado.
Com a pandemia, as aulas passaram a ser de forma remota. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que dos mais de três milhões e meio de estudantes sem acesso à internet em 2021, quase 95% eram estudantes de escolas públicas, e 193 mil alunos dos alunos sem acesso à internet, ou 5,3%, eram de escolas privadas.
Além disso, é importante ter consciência de que o acesso descontrolado e sem supervisão (dependendo da idade) afeta a saúde mental dos usuários. Em 2019, o Instagram removeu o número de likes das publicações, e até hoje existe a opção de ocultar esses números nos seus posts e vídeos, assim, os usuários não conseguem ver quantas curtidas uma foto teve, o que auxilia no combate à comparação, algo que é muito presente nas redes sociais.
Muitas pessoas passam a viver suas vidas pelas redes sociais, não conseguindo se desconectar por medo de perderem algo, chegando a sofrer crises de ansiedade. Além disso, existe uma cobrança surreal para ter o corpo da influenciadora X, a casa da artista Y e, atualmente, podemos perceber que existem “influenciadores” que são um desserviço à sociedade, pois estão focados apenas em vender produtos e ganhar comissões através dos seus links, e esquecem que atrás de cada número entre os seguidores existe uma pessoa que é influenciada pelo conteúdo postado. Também enfrentamos um movimento forte e destruidor que são os famosos haters, pessoas que não querem apenas apontar os erros e ver a evolução da pessoa que foi cancelada; os haters de plantão querem destruir a vida da pessoa, querem acabar com suas carreiras e fazer de tudo para que a pessoa que está sendo cancelada chegue ao seu limite de sanidade mental.
Quando olhamos para essa prática do cancelamento nas redes sociais, é preciso entender que os cancelamentos de uma pessoa preta e de uma pessoa branca se dão de formas diferentes e desproporcionais. Por que pessoas pretas não podem errar e aprender com os seus erros? Esse privilégio é só dos brancos?
Temos diversos lemas quando falamos sobre a internet e as redes sociais. Temos brasileiros sem acesso à internet e que nem possuem um smartphone, ao mesmo tempo em que temos pessoas que preferem não estar ativas na internet e pessoas que estão sofrendo de forma absurda, que estão dispostas a encerrar a vida por causa de um hater que faz sofrer ou até mesmo por um comentário negativo em uma foto.
Antes de discutirmos se uma pessoa existe ou não por ser ausente nesse universo virtual, temos que garantir que todos tenham acesso a uma internet de qualidade. Temos que incluir todas as pessoas nesse processo de digitalização, precisamos sair das nossas bolhas sociais e perceber que temos muito o que fazer. Precisamos levar informação, tecnologia e oportunidades para as favelas do Brasil. Além disso, é necessário encontrar um equilíbrio entre a utilização da internet e a saúde mental, e conscientizar as pessoas sobre os limites dentro das redes sociais.
Afinal, a solução de uma doença pode estar na mente de um jovem preto, de favela e que não tem acesso à internet.