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Tudo começa sentando-se à beira da cama

por Helena Cunha Di Ciero

“Tudo começa sentando à beira da cama e apoiando os pés no chão”, disse a fisioterapeuta respiratória, enquanto segurava os ombros de uma senhora de 84 anos. Com as coxas, apoiava com firmeza o tronco flácido — aquele corpo que havia se esquecido de como se sentava. A filha olhava para aquele corpo que já tinha sido sua casa, enquanto a mãe fitava o nada, pescoço mole, olhos opacos.

Olhos que viam a neta, mas não a enxergavam. “Mamãe, a vovó me olha, mas não me enxerga”, disse a neta na noite em que a avó saiu do hospital. “Eu sei filhota, mas nós a enxergamos”, respondeu a filha de 42 anos, engasgada, enquanto a cobria antes que ela adormecesse.

A filha de 42 anos agora se sentia mãe de duas crianças e de uma idosa, mas não se sentia mais filha de ninguém. Por isso, seus olhos andavam também opacos. Quando colocava as crianças na cama à noite, percebia que elas eram quem mereciam aquele olhar devotado, pois dela precisavam. E naqueles olhos encontrava algum brilho nos dias de tempestade. E por isso sentia uma culpa: dedicava mais tempo para as crianças do que para a filha de 84 anos, mesmo sabendo que havia uma deslealdade naquelas horas a mais, afinal, a mãe que tanto lhe cuidou, agora era sua filha e precisava de tanto carinho quantos as crianças.

“A filha de 42 anos agora se sentia mãe de duas crianças e de uma idosa, mas não se sentia mais filha de ninguém.”

Duas internações, dois meses, uma conta enorme de hospital. Um aluguel de cama hospitalar, com cerca lateral para não cair, máscara para respirar, cadeira de rodas, chuveirinho de banheiro, cadeira de banho, lenços umedecidos, caixas de fralda e uma enfermeira ao lado da cama. Incrível como se acaba a vida de um jeito tão parecido como se começa. Mas quando a mãe voltou para casa e não sabia nem onde estava, a filha de 42 anos ficou tão feliz com esses enxovais estranhos que encheu a casa de flores, para receber aquela velhinha apática que tinha roubado o lugar daquela mulher linda e vaidosa.

Aquela senhora tinha sido alguém que aos 42 anos resolveu ser mãe, numa época em que parir aos 42 era uma atitude inconsequente. Nos primeiros dias após o parto gostava de contar que se sentia a rainha Mãe, que mostrava a filha orgulhosa para as enfermeiras do hospital como quem exibe um prêmio. Muito leite, uma criança saudável, um prazer imenso em amar.

O Quarto, de Vincent Van Gogh (1888)

A filha, que se sentia uma menina de 42 anos, então se deu conta que já era uma mulher de 42 anos, que tinha tido uma mãe que teve um prazer imenso em amar; por isso não perderia o prazer de amar essa mãe, ainda que ela parecesse um saco de batatas na mão da fisioterapeuta respiratória. Esta, segurando a velhinha, com o sorriso mais doce do mundo, olhava para a filha de 42 anos tentando acalmar seus olhos, que choravam como um bebê assustado e pediam pela mãe de volta: “Tudo começa quando a gente senta à beira da cama e apoia os pés no chão.”

E assim a filha acomodou aquela tristeza toda, mesmo sabendo que o tempo estava num maldito conta gotas. Ela só se acalmou, pois seus olhos cruzaram com os da mãe e ela a reconheceu de novo. E ela soube que quando tudo acabasse, teria força para se sentar à beira da cama, por mais que também se sentisse um saco de batatas, pois ela tinha a quem imitar: a rainha Mãe. E também tinha as crianças para colocar na cama.

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