Juliana Benfatti, atualmente, vive sua paixão por peças antigas com seu charmoso antiquário localizado na Rua Sampaio Vidal, em São Paulo. Mas o amor, é bem verdade, vem desde que se entende por gente: quando pequena, gostava de dar pitacos na decoração dos pais, convencendo-os a optar por peças mais antigas. Foi dessa vocação sensível que fez sua profissão. Na década de 80, colaborou com os melhores antiquários da cidade de São Paulo e, mais tarde, teve sua loja própria por 12 anos, no bairro de Pinheiros.

Em meio à caldeira da pandemia, quando se viu diante da necessidade incontornável de ficar dentro de casa, Juliana resolveu comprar de vez um apartamento que sempre fez seu coração bater forte, parte do edifício Araucária, imóvel clássico da capital paulista. 

Por ter sido concebido em uma outra época, o apartamento naturalmente evoca muito do frescor que só o antigo pode oferecer e, de um jeito ou de outro, em cada dobra ecoa forte os encantos daquela menina que desde cedo carrega o olhar atento para se inspirar com a mescla de diferentes formas, movimentos, culturas e períodos.

Mas o que ele tem de tão especial? Descubra tomando um cafezinho com a gente e com a Juliana.

Quando e como começou a sua relação com essa casa/apartamento?

O edifício Araucária, construído na década de 1960, pelo Rino Levi, é uma paixão antiga. Eu tinha feito um curso na FAAP e, como meus professores eram arquitetos, eu sabia quem era o Rino Levi. Tinha uma amiga que morava no prédio do outro lado, em frente, na 9 de Julho, que é exatamente igual. São dois prédios gêmeos que ele construiu. E eu adorava esse prédio em que ela morava. Achava muito moderno para a época, com uma coluna no meio de todos os apartamentos. Eu adorava. Então casei, morei em outro lugar e, depois, um dia, andando a pé — porque gosto de caminhar —, eu parei nesse prédio e perguntei se tinha um apartamento para vender… E tinha! Era exatamente o que eu queria, então comprei o apartamento. Deve fazer uns 6 anos, mais ou menos. Como eu morava na Sampaio Vidal, que é a mesma rua onde eu tenho o antiquário, eu fiquei 40 anos morando por lá, o que era muito cômodo. Cheguei a alugar o imóvel algumas vezes e, depois, quando começou a pandemia em 2020, a gente ficou mais em casa e deu tempo de refletir, de saber o que que a gente quer em termos de conforto, de praticidade, de tudo. Daí eu falei: não vou alugar mais! Vou alugar o meu e fazer uma reforma para mudar para o outro. E foi isso que eu fiz. Foi uma época boa, porque ainda tinha material de construção à vontade, depois de 2020 que as fábricas pararam. Hoje em dia, para fazer uma reforma é bem mais difícil, porque tem muito material faltando. Mas, na época, eu fiz de agosto até dezembro. Mudei em dezembro de 2020 e estou lá, feliz. 

Qual você acha que é o valor de morar em um apartamento projetado por Rino Levi? O que a arquitetura te oferece em termos de conforto e bem-estar? 

Eu acho que a arquitetura, um projeto como esse, do Rino Levi, uma pessoa consagrada que sabia o que estava fazendo, atende a necessidade da época. É completamente diferente da época vitoriana, não tem por que ser igual, já que não foi concebido em 1850. É um projeto que foi concebido sob outras necessidades. Imagino que isso tudo que é analisado antes do projeto, e que vai atendendo as necessidades de sua época, merece um respeito, ainda que eu esteja em outra. 

Você fez muitas alterações?

Eu fiz pouca modificação. Só adaptei ao meu estilo de vida, que é o de uma pessoa que vive sozinha. Eu fiz um quarto maior juntando dois, e o terceiro dormitório virou uma saleta de tevê, para jogos. Mas, no geral, foram poucas as modificações, justamente para respeitar o projeto original. Abri a cozinha também, porque eu gosto de cozinhar, para não ficar fechado ali — sou eu mesma que cozinho, né, então tem sentido a cozinha ser aberta para a sala. 

Em termos de design de interiores, essa sua casa é muito diferente da anterior?

O apartamento onde eu morei durante 40 anos tinha uma outra configuração. Foi uma casa que abrigou um filho pequeno, tinha três quartos, e foi se modificando conforme a passagem do tempo. Eu fiz três reformas. Então, ele foi se adaptando a cada época da minha vida e, aqui, neste apartamento, eu comecei do zero, muito de acordo com o momento que eu estou vivendo agora — um momento em que eu quero desfrutar do que eu mais gosto de fazer, que é cozinhar, por isso eu fiz uma cozinha muito especial, calculando tudo que eu precisava e, no processo, reduzindo o que eu tinha. Trouxe exatamente os pratos e as panelas que eu ia usar. Nada em excesso, para ficar tudo do tamanho da minha necessidade. O resto do mobiliário e da disposição também foram pensados em reduzir, em tirar os excessos. Tenho muitos livros, então resgatei uma antiga estante que era de uma mercearia, com as prateleiras todas em mármore, onde coube a maior parte deles. E trouxe mais cinco estantes que podem ser colocadas em qualquer lugar: uma no lavabo, uma na sala de tevê, e duas no meu quarto. Coube tudo que eu precisava. Fiz um sofá super confortável, com poltronas que também são confortáveis, tudo de acordo com esse meu momento, em que eu quero desfrutar dos meus amigos. Aqui eu tenho também na sala de tevê, uma mesa de jogo, que eu tenho amigas que gostam de jogar. Então foi, sim, bem diferente daquilo ao que eu estava acostumada no outro apartamento. 

Como está sendo viver nessa sua outra casa, que, na verdade, acaba sendo uma extensão desse seu novo momento?

Quando a pessoa fica mais velha, ela quer conforto, ela quer amigos — poucos e bons —, por isso eu tenho uma mesa de jantar que cabe oito pessoas. No outro apartamento era uma mesinha que cabia três pessoas. Tem a ver com essa arquitetura modernista, essa coluna no meio da sala, que eu não sei ainda se um dia eu vou fazer umas prateleiras em volta, que ela é muito charmosa, mas, se um dia faltar espaço para livros ela vai ser a única adesão. É o único projeto que eu ainda tenho, porque, com o resto, eu estou super feliz. Super! Ele tem tudo que eu precisava, desse jeito mais “reduzido”. Reduzi roupa, louça, panela, revista, livro. Fiquei com aquilo que eu realmente amo. 

Como você acha que a sua profissão influencia no seu gosto pessoal?

Eu fiz um curso de comunicação na FAAP e tinha noções também de decoração, e eu acho que isso me ajudou de verdade. Foi um curso de três anos, quase um curso superior. E é claro que isso influenciou, e influencia até hoje, no meu gosto pessoal. A gente adquire uma noção importante de espaço e de proporção. Eu entro em uma sala vazia e consigo imaginar como ela vai ficar mobiliada, porque existe essa escala na minha cabeça. Apesar das coisas serem escolhidas mais com o coração, existe um lado super prático que é ver o espaço, ver o que cabe nele, a altura do teto, a visão de uma janela, tudo isso influencia na escolha do mobiliário dentro de uma casa. Então, eu acho que sim, influenciou muito e vai continuar influenciando. Eu fiz decoração nos anos 70, mas, apesar de não fazer mais, há elementos dessa prática que ficam — por exemplo, a noção para saber se o joelho de uma cadeira está grosso ou não, se a perna fina de uma cadeira ou de uma mesa está proporcional ao tampo ou ao assento. Coisas assim. Tudo isso pesa, porque a gente tem uma noção do que é proporção, a gente pensa a lógica de um espaço para, principalmente, entender como ocupá-lo.

Onde você se inspira para criar?

Para a criação, tudo serve de referência e inspiração, seja aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia, em Alto Paraíso. Eu tenho sempre o olho muito atento, é uma coisa natural. Eu percebo coisas que estão meio escondidas. Apesar de elas estarem pouco à vista, eu percebo que elas existem. Com toda essa observação, a gente cria uma noção geral do que está acontecendo no mundo em termos de desenho, arte, mobiliário… Nas viagens para a Europa, para a Índia, para a China, para o Egito, vou com o mesmo olhar daqui, um olhar que está sempre aberto, prestando atenção em tudo o que é belo, porque a beleza fascina. Do mesmo modo que me fascina, eu consigo passar para as pessoas o que me fascinou, me cativou, transmitir para elas por que tudo aquilo poderia interessá-las também. Por trás, tem sempre uma história, um lugar para lembrar — essas memórias visuais ficam registradas na gente. Para mim, é ter o olhar atento na rua, ficar de olho em como as pessoas se vestem atualmente, como as pessoas comem, que tipo de comida elas comem — faço isso especialmente quando eu vou para a China e para a Índia. Comer só comida local, por exemplo, é muito especial, porque é diferente da nossa e traz tanta inspiração. Isso tudo com o colorido da natureza inspira a gente para chegar aqui e criar um monte de coisas. 

Como seu gosto evoluiu com o passar do tempo?

Evoluiu, principalmente, com a maturidade. Fui tirando os excessos, sabe? A gente se encanta mais com coisas mais limpas, mais substanciosas, coisas que falam por si na forma, na cor, no acabamento do material. Em 1970, na casa dos meus pais, os móveis eram todos pé palito em jacarandá e eu sugeri que eles trocassem por uma coisa mais clássica, talvez um sofá de veludo com franja — algo que era muito daquela época. Hoje em dia, a gente quer aqueles móveis que estavam na casa dos pais, né? Existe esse retorno na moda também. A gente vai todo dia aprendendo. Não conheço nenhuma profissão, nenhuma atividade a qual você se dedique, e que você ama, em que você não evolua todos os dias. Você faz isso prestando atenção em um filme, vendo uma matéria, olhando as pessoas na rua… é por aí. Viver, e evoluir, é isso.