O termo “consciência de classe” foi cunhado no início do século XIX pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel e posteriormente popularizado pelos pensadores socialistas Karl Marx e Friedrich Engels. Para Hegel, a consciência de classe se referia à compreensão que os indivíduos têm de si mesmos como membros de uma determinada classe social, abarcando aí as formas com as quais essa compreensão afeta suas visões de mundo e ações político-sociais. Já a dupla Marx e Engels atribuiu ao conceito um significado mais específico, argumentando que a ideia traduzia um entendimento consciente e crítico dos interesses de classe e da posição social de um indivíduo na sociedade capitalista. Segundo eles, essa compreensão é um processo histórico que se desenvolve à medida que os trabalhadores percebem que seus interesses são distintos dos interesses da classe capitalista dominante, e que a luta de classes é necessária para alcançar a emancipação social e econômica.
Dito isso, pensemos no Brasil. Por aqui, há uma clara distinção entre a classe dominante e a trabalhadora. De acordo com o relatório World Inequality Report 2022, elaborado pelo World Inequality Lab, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, ocupando a “honrosa” 9ª posição no ranking global de desigualdade de renda. Em alguns pontos do país, esse cenário se faz gritante. Bom exemplo desse berro é o bairro do Morumbi, que comporta em si, num raio bem menor do que seria de se imaginar, a maior favela da América Latina e uma das maiores concentrações de renda do país. Você já deve ter visto a imagem que registra a divisa entre uma sequência de condomínios de luxo e uma sequência de moradias de baixa renda, ilustrando com perfeição essa dualidade do bairro e evidenciando, sobretudo, os altos índices de má distribuição de renda do país. Tirada no começo dos anos 2000, a foto já virou quase um clichê ao redor do globo: de tão eloquente, por escancarar uma realidade exageradamente desequilibrada, ela acaba sendo fácil de ser usada como exemplo. Trocando em miúdos, para o mundo inteiro somos uma amostragem de desigualdade.
Existe uma noção geral dessa realidade?
Pela lógica, a tendência é que a consciência de classe seja mais forte nos países em que a desigualdade de renda é mais alta, porque trata-se de um contexto em que as pessoas são mais propensas a se identificar com um grupo social, reconhecendo, ainda que inconscientemente, que pertence a um determinada estrato da sociedade. Ou seja, se tomarmos essa tendência como referência, estando no top 10 de países com maior desigualdade social, no Brasil essa consciência deveria ser alta. Mas, no fim, estamos conjecturando em cima de um conceito complexo e subjetivo, difícil (senão impossível) de medir e comparar entre países. Às vezes, parece irreal pensar na população brasileira como um corpo social totalmente ciente de seus próprios contrastes, ainda que estes sejam vividos diariamente; às vezes, no entanto, é impossível pensar o contrário. Ficamos um tanto reféns de nossas impressões pessoais, baseadas na vivência ou não.
Vários movimentos sociais e políticos demonstram que há, sim, uma forte consciência de classe no Brasil: lutas pelos direitos e interesses das classes trabalhadoras denotam isso, como sindicatos, partidos políticos de esquerda e grupos de defesa dos direitos humanos. Ela também pode ser captada na crescente mobilização e conscientização dos jovens e das minorias sociais, que enfrentam desigualdades históricas e estruturais em relação à classe dominante. Por mais louca e perigosa que as redes sociais possam ser, ela cumpre bem a função de conscientizar gerações mais novas — o que, em décadas passadas, ou nunca aconteceria ou, quando muito, aconteceria tardiamente.
É claro que vale ressaltar que nem sempre essa consciência é forte e coesa, já que muitas vezes — quiçá sempre — é influenciada por fatores culturais, políticos e econômicos complexos. Além disso, as desigualdades sociais e econômicas no Brasil são profundas e persistentes, o que significa que a consciência de classe pode ser difícil de se desenvolver e de ser mantida em algumas regiões do país.
E os impostos, o que nos dizem sobre isso tudo?
Como os impostos são uma forma importante de financiamento das políticas públicas e de redistribuição de renda, a consciência de classe pode influenciar a percepção dos cidadãos em relação aos impostos e como eles são utilizados pelo Estado. Em geral, dança-se o baile ao som das cornetas douradas do privilégio: a classe trabalhadora paga uma parcela significativa de impostos em relação à sua renda, enquanto a classe mais rica paga proporções menores. Isso pode levar a uma percepção de injustiça fiscal e a uma falta de confiança nas instituições governamentais. Por outro lado, quando os cidadãos têm uma consciência de classe mais desenvolvida, eles tendem a ter uma visão crítica das políticas fiscais e a exigir uma maior progressividade fiscal, ou seja, que os impostos sejam mais elevados para os mais ricos e que os recursos arrecadados sejam direcionados para programas sociais que beneficiem a classe trabalhadora.
A consciência de classe pode influenciar a percepção dos cidadãos em relação ao papel do Estado na economia. Enquanto os defensores de uma consciência de classe mais aguçada tendem a acreditar que o Estado deve desempenhar um papel mais ativo na promoção da justiça social e na redução das desigualdades, aqueles com uma visão menos crítica da classe tendem a favorecer políticas que reduzam o tamanho do Estado e a carga tributária. No Brasil, o sistema tributário é bastante complexo e o pagamento de impostos pode ser uma questão delicada para muitos cidadãos e empresas. Há uma grande quantidade de normas, leis e regulamentações que regulam a cobrança de impostos, o que pode dificultar a compreensão e o cumprimento das obrigações fiscais.
Existem diversos tipos de impostos, que são cobrados tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais e municipais. Alguns dos principais são: o Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto sobre Serviços (ISS).
O dinheiro arrecadado com os impostos no Brasil é destinado a diversas áreas e serviços públicos, tais como saúde (SUS), educação, segurança pública: assistência social, previdência social e outros. A alocação dos recursos públicos pode variar de acordo com as prioridades estabelecidas pelo governo em cada período.
Sistemas tributários progressistas
Pensar na consciência de classe e na tributação específica de países pode ser interessante por, diante da postura de cada um, analisar as maneiras como cada um lida com a respectiva desigualdade social. Existem vários países que adotam políticas tributárias progressivas e buscam taxar as maiores riquezas de maneira justa. Alguns exemplos europeus, cuja realidade, sabemos, é diferente do Brasil, incluem:
Dinamarca — Conhecido por ser um dos sistemas tributários mais progressivos do mundo, tem uma taxa máxima de imposto de renda de 55,9% sobre os rendimentos mais elevados. Além disso, a Dinamarca também cobra impostos sobre heranças e doações, e possui um imposto sobre a propriedade que incide sobre imóveis e outros ativos.
Suécia — Taxa máxima de imposto de renda de 57,1%. Além disso, a Suécia cobra impostos sobre a propriedade, heranças e doações, e tem um imposto sobre a riqueza que incide sobre os patrimônios líquidos mais elevados.
Noruega — Taxa máxima de 39%. A Noruega também cobra impostos sobre a propriedade, heranças e doações, e possui um imposto sobre a riqueza que incide sobre os patrimônios líquidos mais elevados.
Alemanha & França — Com sistemas parecidos, a taxa máxima do imposto de renda alemão é de 42%, enquanto a francesa é de 45%. Ambos os países cobram impostos sobre a propriedade, heranças e doações. Além disso, têm impostos sobre a fortuna que incide sobre os patrimônios líquidos mais elevados.
Marx e um futuro almejado há mais de um século
“Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” Essa é uma das muitas frases famosas de Karl Marx. Entender a qual grupo pertencemos é determinante para tornar qualquer luta legítima. A falta de consciência de classe é capaz de criar cenários tenebrosos, como muitos que vivemos no mandato presidencial passado, em que os capatazes particulares nadaram de braçadas para sair à frente de qualquer sociedade igualitária.
Para além de uma história formativa repleta de desigualdade e crueldade, temos uma história recente que faz ecoar com força essa triste realidade clássica brasileira.